O anúncio chega inesperado. Há feridos junto do Rovuma, o rio fronteira ao norte. Das transmissões pede-se incessantemente um avião da OCAPA (1). E a torre de controle do aeroporto, que se ergue pintada de muito feio a substituir já de cimento a antiga palhota do Alto Jingone, a torre mantém-se em "stand by".
A organização de carreiras aéreas tem a finalidade de manter rotas diárias de transporte de passageiros, bagagem e correio em todo o Cabo Delgado. E faz implicitamente a aproximação de populações isoladas no tempo das chuvas quando as estradas se tornam quase ribeiras ou passadeiras de matope. Quando toda a baixa do rio M 'salo se alaga e o batelão preso por cordas é uma jangada inútil.
Há pequenos campos de aviação e o cuidado de os manter operacionais.
Porém a OCAPA não foge a pôr no ar o transporte indicado para casos urgentes.
Mas qual dos pilotos acede a ir a esta hora pelo escuro a dentro até à zona referida?
Qualquer deles o fará. E vai o que é solteiro (2) que espontaneamente se oferece. É um excelente piloto e a camaradagem na orgânica da empresa é verdadeira.
A noite desdobra-se morna, preguiçosa, de uma beleza intensa e insensível.
Os apelos mantêm-se a um ritmo angustiado. Estão dadas as coordenadas do lugar. Não há grande extensão de campo aberto. Há árvores. O piloto não conhece o terreno.
O avião está na pista. Descola. O piloto pede o máximo de faróis, lampiões, luzes que iluminem o local e incidam na margem do Rovuma, no limite da água.
Mantém-se constante o contacto pela rádio: frases breves. Interrupções. Perguntas.
O tempo toma uma pesadíssima e incalculável medida.
E do meio da noite o aviso: "É aqui. Vou aterrar. Seja o que Deus quiser."
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Pela madrugada é o regresso. A ambulância espera.
Todos estão cansados.
Cansados os que intervieram neste voo cego.
Cansados os que todos os dias ao nascer do sol olham o fio branco do horizonte e com raiva ou amargura mas sem palavras, votam ao fim da guerra.
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(1) - Organização de carreiras Aéreas de Porto Amélia, empreendimento pioneiro da iniciativa do Arquitecto Andrade Paes. Operava com dois monomotores e um bimotor "mininor". Fazia também intercâmbio com os aviões bimotor da empresa de Mr. Lebret (das Ilhas Comores), para promoção do turismo en tre Moçambique e essas Ilhas.
(2) - José Quental - ex piloto da Força Aérea Portuguesa
5 comentários:
Obrigado pela transcrição.
E parabéns pelo excelente trabalho que nos ofereces.
A História É TUDO...e Moçambique tem muita HISTÒRIA !
Abs.,
Jaime
Jaime se tiveres mais não te acanhes....Risos.
E já viste que o Cmte Vilhena completou com as fotos???
Vi!....E até acabei de transcrever no ForEver PEMBA.
Também encaminhei o link para a Inêz Paes - filha do Arq. Andrade Paes (sócio e fundador da OCAPA) e da poetisa Glória de Sant'Anna. Creio que será uma emoção para todos lá por casa...
Obrigada e um beijão,
Jaime Luis Gabão
Só agora consigo aqui vir e deixar uma palavra amiga e agradecida.
Um Belíssimo trabalho sobre a aeronáutica em Moçambique.
Jaime, o meu Pai não tinha sócios, foi o fundador da OCAPA e iniciador dos vôos no Distrito de Cabo Delgado, após um estudo económico que apresentou.
Abraços,
Inez
Lu não consigo ver o seu mail..
Inês se fosse ao meu perfil via o e-mail, mas é com todo o prazer que o deixo aqui:
lhinga@mail.telepac.pt
Obrigada pelo comentário.
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