O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

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Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

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11/10/06

59-Moçambique - Voos Imprevistos


Foi num desses fins-de-semana que começou a frequentar o Aeroclube de Tete.
Era uma construção em alvenaria com terraço, numa elevação de terreno, proporcionando uma bela vista sobre o rio Zambeze. Possuía uma piscina de água límpida e que o próprio sol abrasador mantinha quente, convidando a um mergulho a qualquer hora do dia ou da noite.Ali começou a conviver com o nome dos aviões e das suas histórias, ouvindo falar constantemente do sonho que desde pequeno mantinha, voar. Ali se juntavam os pilotos comandantes do Gabinete do Plano do Zambeze, do Aeroclube, pilotos quer de aviões, quer de helicópteros, que diariamente levantavam voo da pista em terra existente na cidade.- Não queres juntar-te a nós e tirar o brevet de pilotagem?- O que é necessário para isso? - Perguntou entusiasmado.- Aparece no próximo Sábado no hangar, falamos com o Braizinha e tratamos disso


No outro dia, como combinado, chegou ao Aeródromo pelas dez horas da manhã. Cinco minutos depois, já Marco António estava sentado aos comandos de uma avioneta Auster D5 160 e a elevar-se nos ares sobre Tete. Foi de início um pouco assustador, estava um dia quente e as correntes ascendentes provocavam uma certa turbulência no avião, no entanto, pouco a pouco adaptou-se ao voo perdendo aquela impressão inicial, normal nas primeiras vezes.Um mês depois fazia a sua primeira subida a sós. A mil pés de altitude sobre a cidade, numa tarde calma, sentia uma liberdade difícil de definir, havia esquecido todos os problemas terrestres, e olhando para baixo, vendo as casas de cima, os carros tão pequenos e aquela maravilhosa paisagem.



É necessário ir levar um carregamento de medicamentos à Casula, queres ir?- Mas, Pereira, é a primeira vez que vou fazer uma viagem tão longa, não haverá problema?- Não há problema, segues rumo à Estima e após a passagem sobre a localidade, tens a barragem de Cahora-bassa à tua direita, segues em frente e numa curva bastante acentuada que o rio Zambeze faz, avistarás um aldeamento que será o teu destino.- Vai para o Aeródromo que os sacos já estão no avião.Os aparelhos de navegação daquela pequena aeronave eram praticamente inexistentes. Os pilotos faziam uma navegação visual, tendo apenas como ajuda a bússola que, mesmo submetida a correcções magnéticas, não se poderia considerar fidedigna, já que a deriva provocada pêlos ventos laterais poderia arrastar o avião para bem longe do local de destino. Tinham como última alternativa a visualização de um monte que servia de referência e para ali se dirigiam, para de seguida, após atingir esse ponto, visualizar um outro, seguindo naquela direcção até atingir o objectivo final. Não existia o GPS ou qualquer outro instrumento de navegação por satélite, nem rádios ajuda, o que só por si transformava estes jovens pilotos em grandes heróis.Chegado ao Aeródromo, subiu para os comandos da Auster, rolou pela pista e subiu em direcção ao céu. Olhou a bússola, corrigiu o rumo e elevou-se até aos quatro mil pés para a Marara. Pela primeira vez olhou para baixo e não vendo a cidade sentiu-se um pouco intimidado, mas percorrendo com o olhar os instrumentos de bordo e vendo que tudo trabalhava na perfeição, sossegou. Olhou em frente e avistou uns cúmulos que se aproximavam, descontraiu-se e continuou a sua linha de subida até à altitude desejada, nivelou acertando as rotações do motor e mistura de ar-combustível de modo a manter uma velocidade de cruzeiro apropriada.Cerca de quarenta minutos após a descolagem avistava a tal povoação junto ao rio Zambeze, numa curva do rio, tal como se indicava na carta aeronáutica, lá estava a pista. Sobrevoou o rio para norte, fez uma volta de cento e oitenta graus e iniciou a aproximação à pista. Era cerca de meio-dia quando as rodas do avião tocaram no chão, indo parar cerca de trezentos metros mais adiante. Fez inversão e rolou para um pequeno pavilhão de onde vinha já um unimog militar com um alferes e meia dúzia de soldados. Marco António desligou o motor e saiu do cookpit. Após cumprimentar o piloto, o alferes dirigiu-se-lhe num estado nervoso:- Senhor piloto, pregou-nos um susto dos diabos. Estamos muito gratos, mas da próxima vez faça o favor de não fazer uma aproximação directa, sem primeiro dar uma volta sobre o acampamento para nos dar tempo a que possamos fazer uma segurança à pista. Ainda ontem tivemos um ataque ao aquartelamento e é perigoso voar a baixa altitude, há o perigo real de ser abatido.Marco António não ficou impressionado; talvez por inexperiência, pouca idade e na euforia de pilotar um avião esqueceu-se do perigo que poderia ter corrido.- Desculpe senhor Alferes, não tinha conhecimento de que esta zona era assim. Sabe, em Tete fala-se de guerra, mas de facto dificilmente ali se sente. De futuro tomarei as devidas precauções e agradeço-lhe as recomendações. Bom, já tiraram os sacos dos medicamentos, vou regressar.- Agradecíamos que nos levasse este saco com correio para Tete -pediu o oficial.- Certo, metam-no aí dentro e obrigado pelo aviso. Adeus e até à próxima.Subiu para o avião e rolando novamente para a pista, alinhou e descolou rumando a Tete, procurando fazer uma subida rápida, pensando no que o alferes lhe havia dito. Deveria ter exagerado, mas pelo sim pelo não, regressou mais alto, agora a cinco mil pés.Eram treze horas quando aterrou em Tete. O voo tinha corrido bem. Estava satisfeito. Tinha efectuado a sua primeira longa viagem sob aquele céu azul, desejando que ele nunca mais acabasse.


Era Domingo. Foi convidado para uma festa de aniversário que se realizava no segundo andar de um prédio situado na avenida central da cidade. No decorrer da mesma, alguém lançou um desafio a Marco António, dizendo não ter coragem de fazer passar o avião que habitualmente pilotava em frente à varanda do prédio. É claro que dez minutos depois já se encontrava no Aeródromo e punha o motor da Áuster em marcha.Alinhou e descolou logo de seguida, subindo para dois mil pés em direcção ao centro da cidade, calculando o local onde todos os amigos se encontravam. Avistou a varanda onde alguns apreciavam a evolução do voo. Provocou uma perda com uma volta apertada e desceu a pique em direcção ao solo, tendo em vista aproximar-se o mais possível da altura do prédio, empurrando o manche para a frente e reduzindo a potência do motor, para evitar uma velocidade excessiva. A cerca de quinhentos pés, empurrou a manéte do combustível para a frente e puxou o nariz do avião para cima por forma a nivelar e fazer uma subida em chandel, que por certo iria impressionar os espectadores.No entanto, o motor do avião não obedeceu começando a falhar, não ganhando potência que permitisse o avião subir. Verificando a situação grave que tinha provocado, Marco António sabia não possuir altitude suficiente para regressar ao Aeródromo, pelo que voltou pela sua direita e em direcção às areias existentes nas margens do rio Zambeze, com a intenção de, se necessário, aterrar nas mesmas. Sabia ser perigoso e que a sua vida corria perigo.O avião perdia altitude e ele procedia a determinadas tentativas para injectar combustível nos cilindros do motor, verificando que os níveis dos depósitos indicavam ainda como estando meios. Abriu o ar quente do carburador, continuava a perder altitude, trezentos pés!!! e eis que o motor dá sinais de retomar o funcionamento normal, deixando Marco António aliviado, mas com uma palidez que não desapareceu até aterrar e estacionar em frente do hangar.- Que lhe aconteceu? - Perguntou o mecânico de aviões que ali se encontrava- Nem queira saber - respondeu. Tive uma falha de potência sobre a cidade após ter feito uma picada durante algum tempo.- Olhe lá! Nessa fase você não abriu o ar quente do carburador?- Esqueci-me. Só o abri depois e quando o avião já falhava por todo o lado.- Pois é! Sabe perfeitamente que há o perigo de formar gelo no carburador caso não proceda a essa operação. Não se esqueça que os erros se pagam caros, é fundamental cumprir as regras estabelecidas no manual do avião.Marco António ficou pensativo. Um erro provocado pela inexperiência e falta de atenção poderia ter sido fatal. Foi uma lição para o futuro.Retirado de http://www.macua.org/livros/voos.html

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