O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

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Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

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08/10/06

45-Histórias com Asas

O livro “Histórias com Asas”, verdadeiras memórias dos Pilotos da TAP nos tempos do hélice, foi publicado pela APPLA (Associação dos Pilotos Portugueses de Linha Aérea) em 1992. Publicação coordenada pelo Cte. Silva Soares, nela participaram alguns dos protagonistas destas aventuras, os pilotos que voaram Dakota, Skymaster e Super Constellation nos TAP.

Histórias interessantíssimas, do tempo da aviação heróica, transcrevo partes de uma, que tem a ver especificamente com Moçambique:


Lourenço Marques, oásis no fim da linha (Dakota DC-3):

Ao fim de sete dias de viagem desde Lisboa, a ultima etapa era como uma descida dos caminhos rudes da montanha para a planície calma. Com a aproximação do oásis, depois da travessia penosa do deserto. A chegada ao ponto de descompressão.

Lourenço Marques era a estância de repouso mais ambicionada pelos tripulantes. As condições de estadia ali eram as melhores, quanto a alojamento, alimentação e ambiente.


O Hotel Polana que já fora “Polana Hotel” na época de plena influência sul-africana, era o nosso pouso, indiscutido e apreciado.

Quando começamos a operação da “Linha Aérea Imperial”, o nosso império não dispunha ainda da famosa e formosa piscina do Polana. Assistimos à sua construção e a sua espectacular inauguração (1948).

O Polana pertencia a uma sociedade com capital maioritariamente sul-africano. Só mais tarde o Governo-geral de Moçambique assumiu uma posição na organização.

Quando o Sr. Lourenço Marques, comerciante Português do século XVI se movimentou por estas paragens a tratar dos seus negócios, estabelecendo assim profícuas relações com as populações, estava com certeza longe de supor que o seu nome viria a entrar ba historia, ligado a esta bela cidade. Mas assim o quis o Sr. D. João III.

No tempo dessa actividade de comercio, que também permitiu a exploração geográfica e etnográfica da região, já então chamada Baia da Lagoa começava a ser visitada por cobiçosos holandeses e ingleses, qua a não deixaram de crismar à sua moda, chamando-lhe “Delagoa Bay”, usando um tipo de corruptela que também produziu o caricato “Oporto” aqui mqis perto, e que nós, portugueses, deixamos assim cristalizar, por atávico acanhamento de impor a nossa identidade.

A capital da colónia achava-se ao tempo na venerável Ilha de Moçambique, essa jóia onde se concentram valores históricos, etnográficos e arquitectónicos de tal significado, que lhe dão suficiente mérito para seer considerada património universal.

A capital foi transferida para Lourenço Marques só em 1898, depois da campanha de Mouzinho, que culminou com o aprisionamento do poderoso regulo Gungunhana, grande chefe dos vátuas, bem manobrado pelos cordelinhos de Cecil Rhodes, para impedir a fixação dos portugueses nos territórios do interior.

O desenvolvimento de Lourenço Marques era pois relativamente recente. Tinha menos de 50 anos quando o nosso primeiro Dakota ali chegou.

Assim se compreende que a urbanização da cidade tenha sido traçada a régua e esquadro, beneficiando de uma topografia favorável.

O porto oferecia excelentes condições naturais. E a sua localização permitia tornar-se grande porta de penetração para o rico “hinterland” sul-africano, como de facto veio a acontecer.

O apetrechamento do porto e a construção do caminho-de-ferro do Transvaal, permitiram um grande desenvolvimento das actividades económicas ligadas com as importações e exportações.

E este conjunto de circunstancias conduziu à formação de uma cidade cosmopolita, tornada atractivo dos sul-africanos que ali instalaram extensões dos seus negócios, e onde passaram a ir fazer ferias, fugindo ao frio lá de cima.

A este fluxo socio-económico de lá para cá, correspondeu um certo refluxo de cá para lá, em termos de alguns negócios, algum turismo, muitos trabalhadores indígenas para as minas do Rand, e bastantes filhos de família a irem frequentar escolas lá de cima.

E foi-se assim melhorando o nível de vida dos nossos colonos brancos, e foram surgindo novas gerações ali nascidas, cujo licito orgulho de serem Moçambicanos foi muitas vezes ensombrado por um certo “snobismo”, a reflectir muita superficialidade perante os verdadeiros problemas da vida de todos.

Lourenço Marques exteriorizava modernidade, com o seu comércio importado, nomes ingleses em muitas tabuletas, whisky e cigarros ingleses.

Os tripulantes gozavam o melhor possível a sua curta estadia. As visitas à cidade não eram demoradas. Ia-se às lojas chinesas (o Sam Ping) e indianas, onde se aspirava um pouco de atmosfera oriental e se compravam bugigangas e especiarias; ia-se ao “John Orr”; ao mercado inigena mais para gozo etnográfico do que outra coisa.

E no tempo das acácias rubras, aí por Dezembro, Janeiro, percorriam-se aquelas avenidas pejadas de copas floridas, gozando esse espectáculo de invulgar beleza.

E o tempo corria. A madrugada da partida chegava rápida. O Dakota, já tratado, revisto, recondicionado, esperava-nos naquele plaino rapado no capim de Mavalane, debroado ao longe por silhuetas de grandes cajueiros.

As formalidades de despacho eram, anedoticamente, executadas por funcionários dos Portos, Caminhos de Ferro de Moçambique, organização de que a DETA era uma das Divisões. O responsável pelo serviço tinha a designação de Chefe de Estação (embora não usasse o apito para dar a partida aos aviões). Alguns impressos eram os tradicionalmente usados para despacho de navios, com referencias a “porto de mar”, “capitão do navio”, etc.

O boletim de sanidade requeria a indicação do ultimo porto de escala, e ainda se o navio tinha estado atracado ou fundeado.

Enfim, a inércia da burocracia, a fazer também historia.

A viagem de regresso, não era propriamente uma 2ª edição da que se fizera na ida. A mesma rota, sim, mas sempre diferentes condições, sempre outras surpresas, outras contingências. Até a maior ou menor fadiga acumulada, condicionava o comportamento de cada tripulante, ao longo de mais seis dias até Lisboa.

E ficava em todos, aquela reconfortante imagem da estadia no Polana como o oásis paradisíaco onde todos os sacrifícios eram redimidos.

O paraíso cujo preço de conquista era a nossa longa e penosa viagem.

Mas aí estava a confirmação do provérbio italiano: “qui no traversa il deserto, no puo rajiungere il oásis”!

A miragem estimulante do oásis tinha porem os seus dias contados.

A nossa operação com o Dakota até Lourenço Marques foi interrompida em Julho de 1950. As ligações desde Luanda passaram a ser feitas pela DTA, até que em 1954 a TAP introduziu os Skymaster nesta linha, fazendo-se a rendição das tripulações em Luanda, sem estacionamento em Lourenço Marques.

Só em 1955, quando do espectacular lançamento dos Super Constellation, as tripulações reencontraram o Polana como estancia de repouso, ao efectuarem a viajem corrida desde Lisboa, num total de 22 horas e 30 minutos de voo. Quedavam-se então aí quatro dias e meio, aguardando o avião seguinte. Foi simpático e quase comovente o acolhimento que os empregados do Polana dispensaram aos tripulantes, neste regresso depois de vários anos de ausência, Não se haviam esquecido nomes, nem até certas preferências de quartos, certos gostos pessoais na gastronomia. E i “Patissier” Mavildo redobrou o seu esmero, na produção de uma deliciosa “coupe grivé TAP”, seguindo-se em diferentes dias a “coupe comandante X, a “bombe glassé Assistente Y”, etc.

Manifestações que valiam mais pelo calor da simpatia do que pela frescura dos “glacés”, em clima quente.

Mas a evolução do tráfego aéreo de Africa determinou subsequentes aumentos das frequências semanais, e em 1960 a rotação de tripulantes passou a fazer-se com estacionamento em Luanda, executando-se um esquema de “navettes” para Lourenço Marques.

E o terminal longínquo da antiga “Linha Aérea Imperial” foi-se desvanecendo na vivência das tripulações, restando na nossa memória a imagem nebulosa mas ainda aliciante daquele saudoso oásis do fim da linha.

1 comentário:

Anónimo disse...

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