O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

========================

Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

=======================

Por motivos alheios algumas das imagens não abrem no tamanho original. Nesse caso podem selecionar “abrir imagem num novo separador” ou “Guardar imagem como…”.

31/12/08

538- Um ano de actividade da DETA ao serviço das comunicações de Moçambique. 1952


Obrigada Cte. Vilhena.

537-Aeroclube de Beira (Moçambique) - Escola modelar de Pilotos e instituição de valorização nacional. Artigo de 1954


Artigo de Octávio C. Rosa de Oliveira
Piloto-Aviador (Aero Clube da Beira)

Mais um artigo descoberto pelo Cte. Vilhena.

536-Compra dos "Chipmunk" à Rodésia


Enviado por Cte. Vilhena.
*No texto onde se lê Utali ler Untali.

535-Fotos da velha Loja da TAP em Lourenço Marques



Tiradas em 2008

A velha loja da TAP em Lourenço Marques, que não sobreviveu à independência, onde se pode ainda ver o velho anúncio que teimosamente se mantém, contra ventos e marés: "A Linha Portuguesa".O bonito painel de azulejo com data de 1959, assinado por Gustavo de Vasconcellos, contrasta com a falta de cor da maior parte dos prédios desta velha cidade do Índico.As novas instalações da companhia, emigraram para o Hotel Rovuma.
Fotos e texto da autoria do Cte. Vilhena.

30/12/08

534-1949 - 14º. Aniversário do Aeroclube da Beira - Baptismo do CR-ADF "Aruangua"






Antiguidade do Cte. Vilhena

533-Aeroclube de Moçambique em 1950

E outra antiguidade do Cte. Vilhena

532- Carro alegórico da DETA num desfile em Lourenço Marques, no Carnaval de 1938


Mais uma preciosidade oferecida pelo Cte. Vilhena

531-Vista parcial do Aeroporto de Lourenço Marques, em fase de acabamento. Foto de 1940

Obrigada Cte. Vilhena.

530-Almerinda Alves de Morais, 1ª Aviadora Moçambicana que recebeu transformação em "Tiger"


Mais uma descoberta do Cte. Vilhena.

529-Grupo de brevetados e alunos da Escola de Pilotagem da Beira, em 1942


In Revista do Ar 1942


Mais uma foto do Cte. Vilhena.

528-A Aviação comercial em Moçambique-DETA



Artigo do correspondente da Revista do Ar em Lourenço Marques, Piloto - Aviador de Transporte Público Álvaro M. S. Nogueira.
Nota: Temos no blogue alguns artigos com o espólio do Cte. Álvaro Nogueira.


Obrigaada Cte. Vilhena.

527-A aviação em Moçambique-Artigo de Ramiro Coimbra


Obrigada Cte. Vilhena por mais esta reliquia.

526-CR-AAK por Connie Heggblom


Foto tirada por Connie Heggblom e enviada pelo filho John Heggblom.

Thanks!!!

21/12/08

525-Aerodromo de Révia


Obrigada Cte. Vítor Silva.

524-A Aviação nas nossas colónias in Revista do Ar (1937)


Obrigada Cte. José Vilhena por mais esta reliquia.

522-Acidente de um Auster em Negomano

Foto de Cte. Vítor Silva. Obrigada.

519-CAPA- Companhia Aérea de Pulverizações Agrícolas S.A.R.L

O hangar só para aviões agrícolas.


A sigla da CAPA, pouco conhecida porque teve a vida curta.

Era o grande projecto que unia na mesma empresa a maioria dos produtores de algodão (J. F. dos Santos, Entreposto Agrícola, Guenter Leucht , C. I do Monapo, etc.) com os sócios e material da Emtepua (aeronaves, hangar, escritório etc.)

Foto e legenda Cte. Vitor Silva. O meu obrigada.

518-Acidente do CR-AHI da TAN em Meponda







Acidente do CR-AHI da TAN em Meponda. A pista era extremamente curta com acessos muito difíceis.
Provavelmente em 1968.

Fotos de Cte. Vítor Silva a quem agradeço toda a paciência e simpatia.

517-A Aviação ao Serviço de Moçambique de R.A.F Castel - Branco






Lourenço Marques 9/9/48

Fotos enviadas por Cte. José Vilhena

516-Carlos José Silveira Cardoso de Lomba Viana


Lomba Viana

Pilotos do ACB, junto ao avião Piper Apache-PA23, de Jorge Jardim.
Da esquerda para a direita.
Em pé: Mário Gouveia Homem, piloto do Eng. Jorge Jardim, Lutz, Francisco Moiteira, Lomba Viana, Eng. Jorge Jardim, Rocha Paciência, Carlos Silva.
De cócoras ?????

Grupo do ACB. Foto já anteriormente colocada no blogue devidamente legendada. Clicar nas palavras a azul, para ver o original.

CR-AFM - Da esq.dta:1º. Lomba Viana

Carlos José Silveira Cardoso de Lomba Viana (1917-1962), engenheiro piloto-aviador, pioneiro da aviação comercial em Moçambique, venceu diversas provas e torneios aéreos e instruiu durante a sua carreira vários novos pilotos. Desaparecido tragicamente em 17 de Janeiro de 1962, durante um voo, ainda se mantém o mistério da sua morte. Sua Esposa, Maria da Piedade Silva Veríssimo de Lomba Viana (1929/1962), morreu de desgosto dois meses depois a 17 de Março de 1962.

16/12/08

515-Acidente do CR-AJI da OTA, próximo de Vila Pery





Fotos relacionadas com o acidente referido no Artigo 289. (Clicar no sublinhado a azul)
Nota: Recordo com saudade o Cte. Henrique Cabral, de quem era amiga, que faleceu neste acidente.

Obrigada Cte. Vitor Silva pelo envio das fotos.

514-MEMÓRIAS PARA UM “BUSH PILOT” - Memória quarta

O autor, com o instrutor Orlando Teixeira, no aeródromo de Mavalane em Lourenço Marques, no dia da sua largada.


Memória Quarta:

Recordemos, na tranquilidade do nosso lazer, aquilo que vos relatei no PORDENTRO anterior.
Logo no início da minha vida profissional e no primeiro voo ao serviço do Táxi Aéreo de Moçambique (TAM), fui assaltado por um inquietante sentimento de desânimo, precisamente por não ter sido capaz de aterrar no aeródromo do Luabo, levando a bom termo a missão que me fora conferida e que consistia em recolher passageiros da açucareira Sena Sugar Estates, com destino à Beira.
Contudo, aquela decisão de alternar para o Chinde foi de certo uma opção sensata já que, não existindo as condições ideais para a aterragem, não iria pôr em perigo a minha vida nem a integridade do material que me fora confiado.
Mas nem sempre um piloto de táxi aéreo pode tomar decisões em conformidade com a filosofia que lhe foi incutida durante a aprendizagem de voo e que visa especialmente a prevenção da segurança da operação. É que a vida de um piloto de táxi aéreo orienta-se particularmente, por uma correcta confiança na avaliação das suas capacidades, o que o leva por vezes a arriscar um pouco além do que a segurança aconselha, para poder afinal voar.
O Piloto de Táxi Aéreo actua quase sempre em condições idênticas às de um “Bush Pilot”, pois opera na maioria das vezes, em pistas sem marcações de bermas nem cabeceiras; pistas onde não se cumprem as distâncias mínimas aos obstáculos; pistas de pavimentos em terra batida com pisos muito irregulares, com cabeceiras e bermas exageradamente cobertas por arbustos (quando não por árvores); pistas apenas de nome, simples locais de aterragem, como por exemplo, uma rua principal ladeada por meia dúzia de toscas construções de um pequeno aglomerado populacional, ou como as areias húmidas nas praias durante a baixa-mar; pistas que nunca foram aprovadas para utilização da navegação aérea, isto é, que nunca foram sujeitas a vistorias necessárias à sua abertura; pistas por vezes tão especiais que os passageiros são obrigados a assinar antecipadamente uma declaração imposta pela autoridade aeronáutica, isentando-a da responsabilidade por quaisquer danos pessoais verificados durante a operação; pistas para utilização das quais não existem informações meteorológicas, nem muito menos o luxo de um serviço de controle aéreo – mas, pergunto, “a vida de qualquer piloto não é afinal constituída por uma sucessão de acontecimentos susceptíveis de potenciais perigos?”

E se vos disser agora, que antes de obter o meu PPA, trabalhei durante cinco anos nos Serviços da Aeronáutica Civil onde, como topógrafo, participei no planeamento, na construção e na fiscalização de alguns dos principais aeródromos em Moçambique, tendo como preocupação prioritária, o cumprimento das directivas publicadas, que impunham padrões rigorosos visando uma segura operação das aeronaves. Fui ainda destacado para várias missões de vistoria de pistas com vista à sua abertura, cumprindo com rigor os procedimentos destinados a salvaguardar a segurança da navegação aérea.
E se ainda acrescentar que, de um momento para o outro, me vi obrigado a subverter parte de uma filosofia que orientou toda a minha formação aeronáutica, quando um dia, depois de obter a minha licença de Piloto Comercial de Aeronaves, decidi seguir a vida de piloto profissional de aviões e aceitar o lugar de piloto de táxi aéreo na cidade da Beira.

Mas, se agora mo permitirem, irei recuar um pouco na minha vida de piloto, precisamente para o dia em que o meu bom amigo e instrutor de voo do Aeroclube de Moçambique, Orlando Teixeira, na manhã do dia 15 de Outubro de 1962, no aeródromo da Mavalane em Lourenço Marques, após eu ter completado 12 horas de voo de instrução e depois de uma volta de pista num Piper J3 , olha-me nos olhos e, saindo do avião, diz-me:
- Estás largado. Voa agora sozinho aplicando aquilo que aprendeste. Bom voo!

Todos vocês pilotos sabem como eu, qual a sensação que experimentamos nesse momento!
Porém não é dela que vos irei falar, já que o que tenho para vos contar, é muito diferente do que possam imaginar e que por isso mesmo sinto necessidade de partilhar convosco.
O Orlando deixara-me na pista paralela aos hangares do Aeroclube, a pista 10/28.
Tal como aprendera, regressei ao início da pista e olhei para a torre de controle que utilizando a lanterna de sinais me deu autorização para a descolagem acendendo a luz verde.
Cheio de confiança avancei o acelerador todo à frente: a aeronave vibrava toda (e como vibrava! - pensava eu sozinho) e à medida que ia adquirindo velocidade lá foi subindo para o ar levando-me com ela e transmitindo-me um sentimento misto de receio e de eufórica alegria.
Fiz a volta de pista e tão preocupado estava com o velocímetro, com o altímetro e com o conta-rotações, que me posicionei na final, sem nunca mais me lembrar de olhar para a torre de controle. E, numa aproximação impecável, aterrei suavemente no princípio da pista 10, que aliás era bastante comprida. Regressei ao início da cabeceira, voltei a acelerar e o Piper-Cub, vibrando sempre, salta mais uma vez para o ar. De repente sou alertado, pelo clarão vermelho de um “very-light” lançado pelo controlador de serviço do aeroporto, seguido de uma série de relâmpagos brancos da lanterna de sinais, de que algo de muito anormal se passara e que deveria aterrar de imediato regressando à placa de estacionamento.
Obedecendo aos sinais, regresso ao hangar e depois, com o coração querendo saltar-me do peito, desloco-me à torre de controle, onde o controlador de serviço, acompanhado por um comandante da “Air Rhodesia”, me aguardava de cenho bem carregado.
Eis em poucas palavras o que se passara:
Quando fazia o circuito para aterragem no meu voo a solo, aproximava-se um VISCOUNT da “Air Rhodesia”, autorizado a prosseguir para a final da pista 23, que cruzava com a pista 10 onde eu me preparava para aterrar.
O controle informou a aeronave comercial da minha posição e como eu, depois de ter aterrado, fizesse a inversão na pista voltando ao início da cabeceira, autorizou-a a aterrar.
Então aconteceu o insólito – sem olhar para a torre para obter o necessário sinal, inicio a corrida de descolagem e passo por cima do VISCOUNT que acabara de aterrar, a cerca de uns 300 pés de altura!
O incidente foi ali mesmo analisado, comentado, mas não foi sujeito a procedimento oficial dadas as circunstâncias de se tratar do meu primeiro voo a solo.
- Não te vamos cortar as pernas, mas nota bem, que isto te sirva de lição e que nunca mais volte a acontecer algo de semelhante na tua vida de piloto, disseram judiciosamente o comandante da “Air Rhodesia” e o controlador de serviço que ainda acrescentou:
- E lembra-te que nem sempre se tem a sorte que hoje tiveste!

Caríssimos e pacientes leitores - digo-vos que aprendi com este incidente algo que em circunstância alguma esqueci:
- Obter sempre autorização, quer visual quer por fonia, antes de iniciar qualquer manobra num aeródromo;
- Não entrar num circuito de aeródromo sem me certificar da existência de tráfego quer por observação visual ou informação por fonia;
- Não aterrar ou descolar sem verificar que a pista está livre de quaisquer obstáculos, mesmo depois de ter obtido a autorização do controle.
Mas, pela observação dos erros cometidos pelos outros participantes deste incidente, aprendi ainda que, mesmo que o controle tenha indevidamente autorizado o voo de largada de um aluno, sabendo que havia tráfego a chegar dentro de uns 30 minutos e mesmo que, ao verificar que esse aluno não respondia aos sinais visuais por ele emitidos, o controle tenha perigosamente autorizado o VISCOUNT a prosseguir para a aterragem, o comandante da aeronave em aproximação, devidamente alertado, não devia de modo algum ter aceitado esta situação de potencial perigo porque ele é afinal, legalmente, o último responsável pela segurança da sua aeronave. Não devia ter aterrado.
Por fim, contrariando a observação do controlador que evocou a minha sorte por não ter havido um acidente, aprendi algo que me acompanhou ao longo da minha vida profissional - o cumprimento das regras de voo prescritas, quer nos Anexos, quer nos manuais de operação das aeronaves e sobretudo, como aluno, o cumprimento dos ensinamentos do meu instrutor, que me obrigava por norma a utilizar todo o comprimento de pista disponível para descolar.
Se depois de ter aterrado, eu não tivesse regressado ao princípio da pista para utilizar todo o seu comprimento, de certo que não teria passado por cima do VISCOUNT, e mais certo ainda, que não estaria agora a escrever estas Memórias.
Tudo isto já se passou há muito tempo, mas o que aprendi desde então, permitiu-me chegar até aqui para vos contar alguns episódios da vida dos Bush Pilots em Moçambique.

Concluído este pequeno desvio aos meus intentos propostos para estas Memórias, aqui estou para vos falar agora de um casal de madeireiros que construíra uma pista no meio de uma densa mata, conhecida pelo seu próprio nome – a pista de aterragem de Martinote.
Mas sobre ela e sobre o casal que utilizava o avião como meio normal de acesso à cidade da Beira, vos irei falar no próximo PORDENTRO.

Até lá … votos de Boas Festas e de um Novo Ano de 2009 com muita saúde, para todos vós e vossas famílias.
Bons voos.





J. Primavera

30/11/08

513-MEMÓRIAS PARA UM “BUSH PILOT” - Memória terceira


O autor no aeródromo de António Enes com o Eng. Trigo de Morais junto ao Comanche da TAM, CR-AGJ.

Memória Terceira:

Se bem se recordam, terminei a minha Memória Segunda, no momento em que, após a descolagem de Vila Cabral, já no rumo para Vila Junqueiro e a cerca de uns cinco mil pés sobre o terreno, se ouviu uma série de fortes impactos de projécteis, na porta do lado direito do avião, junto ao passageiro – ra-ta-ta-ta-ta – que, assustado, se atirou de imediato para a esquerda, para o meu lado.
E contava eu então que o meu passageiro me olhou apavorado, lívido, mais branco do que a cor branca do seu fato impecavelmente engomado, e perguntou:
- Ouviu?
- Ouvi, respondi.
- Seria?
- Talvez, adiantei.
- E agora?
- Bem, agora só nos resta ficar atentos ao comportamento do avião, principalmente do motor, vigiar o nível do combustível, as temperaturas do óleo e das cabeças dos cilindros.
Se tudo se mantiver normal, tanto melhor, pensava eu em voz alta!
E continuava:
- No caso de se verificar qualquer anormalidade, teremos de ponderar, de acordo com a gravidade da situação, qual das duas decisões iremos adoptar …

Deixei que se fizesse um silêncio na explicação do meu pensamento, e concluí:
- … Se prosseguir a viagem para o destino, … se regressar a Vila Cabral, com a possibilidade, ainda que remota, de voltar a ser atingido na aproximação ao aeródromo.

Acreditem que não foi nada fácil esconder do passageiro as preocupações e as dúvidas que naquele momento me assaltavam.
Tudo parecia indicar que algo atingira por quatro vezes, a fuselagem do avião na parte inferior do lado direito, ainda que não tivesse penetrado no habitáculo. Possivelmente teria sido atingida a asa direita da aeronave o que acarretaria prováveis complicações no funcionamento do trem de aterragem.
Com todo este cenário sucedendo-se veloz no meu pensamento, examinava com redobrada atenção, os instrumentos do motor, os indicadores de combustível, atento a qualquer anomalia.
A determinada altura os meus olhos descobriram algo que num lampejo me conduziu à explicação, ou melhor, ao conhecimento do que se passara.
E o que eu vira fora precisamente uma pequena fresta na porta do lado do passageiro, iluminada pela luz do Sol, que àquela hora da manhã espreitava muito abaixo do avião.
Sigamos a minha dedução, identificando toda a movimentação efectuada, desde o embarque dos ocupantes, até ao momento em que ouvi os impactos na fuselagem:
- A única porta de acesso ao habitáculo deste avião, era a porta do lado direito, pelo que, a primeira pessoa a entrar para os bancos da frente era sempre o piloto comandante. Só depois de devidamente instalado, entrava o passageiro que, após ter apertado o cinto de segurança, fechava a porta.
- Só que a porta deste avião nem sempre se fechava completamente, estacando por vezes na primeira posição do trinco, o que originava uma pequena fresta que, à medida que a velocidade aumentava durante a descolagem, dilatava o seu tamanho em pelo menos dois centímetros.

Ora notei então, que a aba do casaco do meu passageiro, começava aos poucos a ser de novo puxada para aquela fresta, pela sucção do fluxo do ar junto à porta.
Adivinhando o que se iria de seguida passar, segurei-lhe o braço e disse-lhe com calma que ficasse quieto e que não se assustasse nem se mexesse em caso algum com o que iria acontecer.
E de repente ouviram-se os tais “impactos” dos projécteis junto à porta, -ra-ta-ta-ta-ta …ta-ta…, que iam aumentando de intensidade à medida que a aba do casaco saía pela fresta!
Um sorriso iluminou o rosto levemente pálido do meu passageiro:
- Que grande susto! Ainda bem que foi só um susto …
E riu.
E rimos de satisfação.
Já recuperados da enorme tensão daqueles momentos por que acabáramos de passar, prosseguimos descansadamente o nosso voo para Vila Junqueiro.

A pista de Vila Junqueiro, na região do Gurué, situa-se junto a um maciço montanhoso onde se encontra um dos pontos mais altos de Moçambique, o Monte Namúli, com os seus imponentes 2.419 m de altura.
A sua base, está coberta por um manto verde de pequenas folhas de um arbusto com cerca de um metro de altura, cujas folhas em infusão produzem a agradável bebida conhecida por chá, manto este que faz lembrar “uma plantação de manjericos gigantes”, como escreveu o comandante Miguel Faria Peixoto (o Faria do Gurué), no seu livro “Os Sinos de São Bento”, ao referir-se às palavras do Cardeal Cerejeira quando da visita ao Norte de Moçambique.

Como era o meu primeiro voo para aquela pista, cheguei bastante alto, a uns oito mil pés de altura. Depois de devidamente reconhecida a vila e a pista de aterragem, iniciei uma descida lenta para a aproximação final. E quando já chegava ao local de estacionamento, no fim da pista e me preparava para sair do avião, aproximou-se uma bela senhora que com um largo sorriso comentou:
- Logo vi que se tratava de um novato aqui pelo Gurué !!!

E foi assim que conheci a D. Lúcia, mulher do Peixoto Faria que com a franqueza e o à vontade das pessoas que, no mato, fora do bulício das cidades, convivem directamente com a natureza, me acolheu no círculo dos seus Amigos:
- Trata-me por Lu acrescentou ela!

Já em amena cavaqueira, debaixo dum alpendre de madeira entre um e outro gole de uma cerveja bem “geladinha”, dizia-me D. Lúcia que era simultaneamente a directora do aeródromo, o capataz das obras, a despachante das aeronaves e a gerente da pensão que acolhia até uma meia dúzia de hóspedes:
- Estranhaste como adivinhei que és um maçarico nestas coisas das pistas do mato. Vais saber porquê, quando logo vires o Faria aqui chegar!

E assim foi:
Com o avizinhar do fim da tarde, a temperatura descia fazendo-nos sentir pelas costas suadas um leve arrepio. Lentamente, uma ténue cortina de humidade descia pelas encostas das elevações vizinhas, fazendo diminuir a visibilidade à medida que se ia aos poucos condensando!
-Será que o Faria chega antes do nevoeiro? – “perguntei aos meus botões”.

Como que adivinhando o meu pensamento e quando já mal se divisavam os telhados das casas mais altas, ouviu-se o roncar dos dois motores do Aztec, que numa rasante ao alpendre onde o aguardávamos sentados, anunciou ruidosamente a sua próxima chegada.
Num procedimento já muitas vezes executado, D. Lúcia, percorreu rapidamente a pista no seu Land Rover, acompanhada de um ajudante, que acendia os candeeiros de petróleo, antecipadamente dispostos nas bermas, assinalando o local para a aterragem.
Ele ali estava, o Faria - sorridente, feliz, embora cansado, após mais um dia a voar pelos céus de Moçambique.

Voltei deste modo, a ser mais uma vez confrontado com um comportamento que contrariava todas as regras de segurança que me haviam sido incutidas, durante a aprendizagem do voo, nas aulas de pilotagem. Comportamentos estes que eu não hesitava em classificar de procedimentos irresponsáveis, alheios aos perigos a que se expunham com semelhantes tipos de voo.
Só muito mais tarde pude descobrir a satisfação de poder evacuar um doente ou acidentado, do meio do mato, utilizando perigosamente, por vezes em plena noite sem luar, uma estrada no meio de uma povoação, ou uma pista de areia numa praia, na maré baixa, permitindo que ele pudesse sobreviver com o recurso a meios médicos que só num hospital distante poderia usufruir.
É certo que as condições deste tipo de voo conduzem muitas vezes a situações de perigo. Contudo, estas condições são por seu lado compensadas, por um estilo de vida descontraído e por vezes romântico, intensamente gratificado com a beleza dos elementos naturais, e sobretudo, com o grato contacto com os passageiros e com as populações.

Não foi este o meu entendimento quando efectuava o meu primeiro serviço nos TAM, com destino ao Luabo, no início da minha vida de piloto profissional, com uma modesta experiência de umas meras 300 horas de voo.
O Luabo era uma pequena povoação situada na margem esquerda do grande Rio Zambeze, quase exclusivamente habitada pelos funcionários da Sena Sugar States, uma concessionária de um extensíssimo território, devotado à plantação da cana sacarina, que era depois transformada em açúcar na respectiva fábrica.
Possuía uma pista em areia, a nascente da povoação, junto ao rio e separada dele por uma fiada de uns fabulosos eucaliptos que a delimitavam a Sul.
Voava eu, dizia, com destino ao Luabo, quando me apercebi de um manto branco de um nevoeiro que cobria as margens do rio numa largura de umas 50 milhas, estendendo-se até ao delta do Zambeze e cobrindo as povoações do Luabo, Marromeu, Chinde, bem como as respectivas pistas.
À medida que me aproximava da zona coberta de nevoeiro, sintonizei a frequência de 123.45, normalmente utilizada nas pistas sem controlo de rádio, para nos comunicarmos com as aeronaves do tráfego presente.
E inesperadamente oiço uma voz que anunciava:
-Borrego!
Acompanhando espantadíssimo as mensagens ouvidas, vejo surgir ao longe, emergindo do manto leitoso do nevoeiro, uma aeronave, logo seguida de outra mensagem:
-Vou tentar nova descida.
E seguiu - se outra:
- Já estou no chão … O nevoeiro está agora 300 pés sobre a pista…

Dispenso-me de vos falar da frustração que senti pela incapacidade de actuar do mesmo modo como os meus colegas o fizeram, e ao mesmo tempo também, do medo de, ao tentar fazê-lo, me estatelar contra o tronco gigantesco de um eucalipto, ou de me enfiar pelo leito do rio!!! … Jamais cometeria tal irreflectida loucura!
E decidi-me por alternar rumando ao Chinde, a cerca de uns 10 minutos de voo do Luabo, onde me parecia que o nevoeiro terminava…

Poderia manter por muito tempo aquela minha ajuizada decisão? E até quando?
Isso é o que veremos no próximo PorDentro. Até lá …




J. Primavera

512-MEMÓRIAS PARA UM “BUSH PILOT” - Memória segunda


Fotografia da sala de pilotos dos TAM. Da esquerda para a direita: João Quental, Janico Barreto, Calrão.



Memória segunda:

Antes de iniciar esta “memória” cabe-me fazer aqui duas correcções ao texto da “memória primeira”:
- O nome do meu colega e Amigo que me desafiou a que o acompanhasse a um safari à Namíbia, é João Sacôto e não “Sá Couto” como ali escrevi;
- As quedas do rio Zambeze, conhecidas pelas cataratas Vitoria, situam-se, no
Zimbabwe (antiga Rodésia do Sul), na fronteira com a Zâmbia, (antiga Rodésia do Norte), mais precisamente no Parque Nacional das Cataratas Vitória, que em conjunto com o Parque Nacional de Mosi-oa-Tunya na Zâmbia, foram inscritos pela UNESCO em 1989 na lista dos locais Património da Humanidade.

Concluídas estas pertinentes rectificações, continuemos agora com a nossa “memória segunda”.

Se bem se recordam, terminei a minha primeira “Memória”, no dia em que o meu patrão, Jorge Guerra, entrando pela saleta onde se reuniam os pilotos dos TAM em amena cavaqueira, entre um e outro cigarrito (danoso vício), enquanto aguardavam a chamada para qualquer serviço de voo, olha para mim e diz:
- Primavera prepare-se para ir comigo, amanhã, domingo, a Salisbury.

Antes de continuar com o relato de mais esta memória, sinto que vos devo, ainda que curta, mais uma explicação.
“TAM (Táxi Aéreo de Moçambique), era a sigla que designava o nome de uma empresa de táxis aéreos, sediada na cidade da Beira, propriedade do piloto Jorge Guerra e de sua mulher, D. Orquídea Guerra, que ao longo de várias décadas serviu com eficiência e segurança, particularmente as populações do de um extenso território que se distribuía desde o rio Save, a Sul e o rio Zambeze a Norte, onde a escassez de meios de comunicações obrigavam à utilização frequente do avião. Já não falando das situações de cheias dos rios Save, Buzi e Zambeze, em que a frota dos TAM além de outras, era também usada quer para suprir os meios humanitários de socorro às populações, como o transporte de víveres e de medicamentos, quer para o transporte de pessoas e correio, quer ainda a para a evacuação de feridos ou de doentes”.
Os escritórios dos TAM no aeroporto da Manga, na cidade da Beira, eram constituídos por vários serviços, distribuídos por uma série de pequenas instalações, uma das quais, com especial relevância para nós, era a sala de pilotos, onde no momento em que iniciei esta memória, estávamos reunidos, o Calrão, o Jenico Barreto, o João Quental e eu, pelo que perguntei admirado:

- Porquê irem dois pilotos nesse voo, e desses dois, logo eu?
- Bem, é que você nunca lá foi. Além disso, convêm a quem vá pela primeira vez fazer-se acompanhar por outro colega conhecedor do aeroporto, tanto mais que a terminologia do controle de Salisbury é particularmente difícil até mesmo para quem, como você, fale bem inglês!

Bem, convenhamos que a conversa era outra!
Bom homem, o meu Amigo Jorge Guerra era conhecido pelo “patinhas”, por duas razões:
- Uma delas, porque tinha um pequeno defeito num dos pés, que o obrigava a um leve coxear que lembrava o andar dum pato;
- A outra razão, porque era o autêntico “tio patinhas”, aquele que conhecemos da “família do pato Donaldo”, dos desenhos animados da Walt Disney – afinal não é no poupar que está o ganho?

Ora chegavam nessa tarde a Salisbury, vindos de Londres no Comet da BOAC, dois clientes (gente importante de negócios), que deveriam ser transportados, ainda nesse mesmo dia, para a cidade da Beira.
O avião cujo fretamento seria o mais barato, dentro duma categoria aceitável, correspondia ao Comanche (para quem se lembre, era um mono motor de asa baixa, silenciosamente veloz, com um habitáculo bastante cómodo e com um linhas exteriores bem concebidas), avião a que eu já tinha satisfeito todos os testes propostos pelo patrão para a sua operação.
Assim, prevendo a circunstância de um possível atraso na chegada do “Comet”, o que se verificou na realidade, o Jorge Guerra, aproveitando a minha qualificação de voo por instrumentos, queria fazer a viagem de regresso já em pleno período nocturno.
Só que o tiro saiu-lhe pela culatra – ele não sabia, ou não se lembrava, que na região AFI não eram autorizados, em circunstâncias normais, voos comerciais de transporte de passageiros “em mono motores”, durante o período nocturno. Como resultado desta determinação, só saímos no dia seguinte com destino à cidade da Beira.

Mas, quando iniciei o tema desta “MEMÓRIA”, tinha como intenção primordial, salientar que o conhecimento da topografia do terreno a sobrevoar, é o atributo essencial de um verdadeiro bush pilot, porque lhe confere, como atrás me referi, um sentido de orientação de autêntico pombo-correio.
Para mim, mero “aprendiz de feiticeiro”, de modo algum poderia confiar nessas qualidades ou dons como que lhe queiram chamar e tal como os meus companheiros de voo, cuidei de me equipar com todas as informações que me permitissem voar para Salisbury.

Ora, caso curiosamente original, não obstante a frota dos TAM ser constituída por um número razoável de aeronaves (dois Cessna 180, um Cessna 185, dois Comanches, um Cherokee Six, um Appache 150, um Twin Comanche, um Aztec), cabia aos mono motores uma utilização continuada, pelo que a maior parte das vezes não sobrava tempo para se proceder a verificações de “menor importância”, como por exemplo, a compensação das bússolas que, como toda a restante manutenção dos aviões, eram efectuadas pela empresa de manutenção “associada” dos TAM.
Assim e para os aviões mais utilizados, cada um cada um de nós, sempre que voando em dias de boa visibilidade, pudéssemos identificar o caminho para o destino, anotávamos o respectivo rumo da bússola (procedendo de modo idêntico para o regresso), elaborando tabelas para cada avião e para os destinos mais frequentemente utilizados.
Na sequência deste procedimento era amiudado ouvirem-se diálogos como este, na frequência 123.45:

- Primas, tens contigo a tabela do AIZ?
- Afirmativo.
- Qual é o rumo para o Mucheve?
- 170º.
- OK e o regresso?
- 025º !!!

Ao atender à ordem do patrão para o acompanhar a Salisbury, tratei de preparar o voo de modo a cumprir a missão em completa segurança, munindo-me para o efeito com as cartas necessárias, dado que não constava das minhas tabelas do GJ, o rumo de bússola para aquele aeroporto.
E, quando naquela manhã de sábado, com o Jorge Guerra aos comandos nos preparávamos para descolar, olhando para a bússola, registei espantado que, em vez dos iniciais 270º obtido da carta, a agulha apontava para 220º!
Atingimos em breve a altitude de cruzeiro prosseguindo o nosso voo, rasgando o céu límpido de um lindo dia do mês de Julho, e para minha admiração, passamos praticamente à vertical do nosso primeiro ponto de rota, junto a Vila Pery, e daí em diante até ao destino, sem qualquer hesitação ou observação, foram cumpridos todos os procedimentos de reporte com uma precisão de assombrar. Entretanto nada do que a bússola indicava, correspondia aquilo que eu esperava encontrar.

Forçados, pelos Regulamentos ICAO, respeitantes à Região AFI, a adiar a nossa partida para o dia seguinte, e depois de uma noite bem passada num modesto hotel da cidade de Salisbury (o preço do fretamento não possibilitava melhores acomodações), regressamos ao aeroporto da Manga na cidade da Beira, com os britânicos passageiros.

Porque teria de iniciar, na segunda-feira seguinte, um longo circuito naquele mesmo Comanche, em que seriam escaladas uma série de pistas e aeródromos no Norte de Moçambique, pedi ao Meirinho, o sócio da TAM na empresa de manutenção, que procedesse logo que chegássemos à Beira, à urgente compensação da respectiva bússola.
Conforme previra, os erros lidos nas diversas proas excederam todos os valores razoavelmente aceitáveis, com especial relevo para proa Este-Oeste, em que o desvio encontrado era muito próximo dos 90º!
Com a máquina em condições, o que já me deixava confiante no êxito do voo, descolei com o único passageiro, um engenheiro administrador da fábrica de cerveja MacMahon - uma bebida loira e leve, que no final dum voo, refrescava com prazer, tanto o piloto como os passageiros descidos daquela máquina, de janelas e para brisas de amplas dimensões, que permitiam que o Sol entrasse a rodos, aquecendo tudo e todos!
Este passageiro, se não me atraiçoa a memória, era o filho do engenheiro Trigo de Morais, responsável pelo projecto da barragem do rio Limpopo, perto do Xai-Xai, e mostrava-se bastante interessado com tudo o que íamos sobrevoando, mantendo comigo um agradável diálogo durante todo o voo, contrariamente ao que acontecia com a maioria dos outros passageiros!

Já no terceiro dia da nossa viagem, descolamos do Aeroporto de Vila Cabral situado a cerca de 1400 metros de altitude, num imenso planalto sobranceiro ao imponente Lago Niassa que se estende a perder de vista para Norte em direcção à Tanzânia, iniciando um procedimento de saída excepcional que havia sido recentemente implementado por se ter verificado uma certa actividade de um grupo armado, da Frelimo.
Este procedimento destinado a acautelar a segurança das aeronaves em voo junto ao aeroporto, consistia na subida obrigatória, em espera, sobre a área do Aeroporto de Vila Cabral até ser atingido um nível de segurança, após o que se poderia prosseguir no rumo em direcção ao destino.
Havia já executado a subida e rumava finalmente em direcção à pista de Vila Junqueiro, no sopé dos Montes Namúli, na região do Gurué conhecida pelo cultivo do seu aromático chá, quando a cerca de uns cinco mil pés sobre o terreno se ouviu uma série de fortes impactos de projécteis, na porta do lado direito do avião, junto ao passageiro – ra-ta-ta-ta – que assustado, se atirou de imediato para a esquerda, para o meu lado.
Olhou-me assustado, lívido, mais branco do que a cor branca do seu fato impecavelmente engomado, e perguntou:

- Ouviu?
- Ouvi, respondi.
- Seria?
- Talvez, adiantei.
- E agora?

Mas isso só o saberá no próximo PORDENTRO…até lá…









J. Primavera

511-MEMÓRIAS PARA UM “BUSH PILOT”-Memória primeira



Fotografia tirada no aeródromo de Wonderboom em Pretória, com o autor junto do CHEROKEE 180 do Aeroclube do Lobito no início do voo ferry realizado em Maio de 1966.

Memória Primeira:
Em meados de Fevereiro, durante um almoço de confraternização dos reformados da APPLA, o meu colega e Amigo Sá Couto, confidenciou-me que gostaria de fazer um safari à Namíbia, com início em Windhoek, passando pela reserva natural de Etosha, com uma visita às célebres quedas de água do imenso rio Zambeze, no local de Vitória, no Botswana, desafiando-me a que o acompanhasse.
Curioso, logo que cheguei a minha casa, liguei-me à internet e visitei o sítio
http://www.dunas-safari.com/.
Seduzido pela imagens que se me apresentaram, deliciei-me com as belas fotos que me recordaram de pronto as cores inesquecíveis das dunas ondulando pela imensa vastidão do Kalaari, irradiando tons de vermelho quando perto do pôr-do-sol, ou de mostarda, quando o dia despontava e que me trouxeram à memória os cheiros e os sons de África donde me ausentara num dia do ano de 1972.
Ciente daquilo que tanto atraía a vontade do Sá Couto, não adiei por muito tempo uma resposta, e elaborei de imediato o e.mail que reproduzo a seguir, que isto das novas tecnologias tem de ser aproveitadas exactamente para imprimir uma celeridade às comunicações, na transmissão das nossas sensações, na partilha das nossas opiniões.
Eis o e.mail (em que introduzi pequenas modificações):
“Caro Amigo
Fui ao site "dunas safaris" que indicaste, e verifiquei que se propõem programas de muita boa qualidade. Todos eles são excelentes, e por tal, de difícil escolha!
Dado porém que dispões de tempo, acredito que o circuito de 15 dias, com partida de Windhoek, para visita às quedas de água de Vitoria, com regresso à Namíbia, pelo Botswana, atravessando o deserto do Kalahari, é a escolha acertada de um programa fabuloso!
Julgo que nunca to disse, mas trabalhei como piloto vendedor de aviões Piper, na empresa "Placo Aircraft Sales", na África do Sul.
Durante os meses em que aí estive empregado, fiz vários voos ferry, com início no aeródromo de "Wonderboom" em Pretória, tendo como destino a cidade de Luanda, em que sobrevoava uma parte apreciável do território da Namíbia, num voo que compreendia um total de 16 horas, 10 das quais sobre o deserto do Kalahari !
Descolava de Pretória, e voava cerca de 730 milhas na direcção do poente, sobre a parte sul do Botswana (que nessa altura era um protectorado Inglês denominado Bechuanalândia) e aterrava em Keetmanshoop, uma cidadezinha da Namíbia situada a cerca de 200 milhas a Sul de Windhoek, onde pernoitava.
No dia seguinte, manhã cedo, descolava com destino a Windhoek, onde cumpria todas as formalidades de emigração, seguindo depois para Sá da Bandeira, cerca de 580 milhas a Norte, já em Angola.
Ao rever agora o mapa da Namíbia, com a indicação dos programas propostos, recordei-me dos escassos pontos de referência que utilizava para aquela travessia, num extenso trajecto, que só a fresca juventude da altura acreditava possível fazer sem problemas:
- passava "abeam" Mariental, Otjo, Otjivarongo, e à vertical de Etosha, que limita a Oeste a reserva natural do mesmo nome, e que a televisão tão amplamente tem divulgado.
Esta reserva, atravessada no sentido dos paralelos por um lago normalmente seco, desafiava o meu jovem espírito de aventura, o que normalmente me levava a desviar “imprudentemente” do caminho previsto no plano de voo, afastando-me por mais de 30 milhas para leste, pela planície do lago Etosha, perseguindo zebras, bois-cavalos (gnus), búfalos, gazelas, kudos, elefantes, que habitavam aquela célebre reserva de caça, numa louca e vertiginosa correria!

Todas estas recordações despertaram em mim o desejo de voltar a rever esses lugares, acedendo ao convite do meu companheiro Sá Couto. Porém a razão refreou esse meu entusiasmo, já que os meus próximos 75 anos me levam a ponderar entre a troca desses lugares maravilhosos que vi e vivi, por outros mais calmos que ainda não conheço.
Tenho pena mas na verdade se acompanhar-te seria a minha vontade, prefiro desejar-te de todo o coração que, se puderes, te decidas em ir, e encontres um companheiro de viagem, porque aquilo que irás desfrutar, como as quedas de água do Zambeze em Vitoria, os animais selvagens vivendo no seu habitat, o imenso, o indescritível, o maravilhoso deserto, o Kalahari, com o seu hálito quente, árido, acolhedor e sobretudo, experimentar o calor afectivo dos naturais da Namíbia, são experiências raras que hoje em dia, dificilmente se poderão descobrir.

Caro Sá Couto, confesso-te que depois de terminado este e.mail fiquei com vontade de partilhar com os colegas e amigos esta minha curta mas proveitosa experiência de voar sobre as florestas, sobre os desertos, sobre as inóspitas montanhas, lagos e rios de Moçambique, Zâmbia, Malawi, África do Sul, Suazilândia, Botswana, Namíbia e Angola, como "bush pilot", designação anglo-saxónica, para designar os nossos "pilotos do mato".

Prosseguindo esta ideia surgida na sequência da mensagem que acabei de vos reproduzir, irei ensaiar uma série de pequenas “memórias” que procurarei encaminhar para publicação (caso sejam aceites) no nosso PORDENTRO, esperando com elas homenagear os nossos colegas pilotos que voam nas regiões mais inóspitas do nosso planeta, em particular os de Moçambique, onde nasci e iniciei a minha actividade aeronáutica, e com quem aprendi e partilhei experiências maravilhosas.

Quem são pois esse pilotos designados por “BUSH PILOTS”?
Só encontrei uma fugaz e incompleta referência aos “Bush Pilot”, na Enciclopedia Internacional da Aviação, publicada em 1977 pela “Octopus Books Limited de Londres”, que assim são referidos:
“Os Bush pilots (pilotos do mato), abundam ainda no Norte do Canadá, no Alasca e nos lugares mais recônditos da Austrália.
Aqui há poucas ou nenhumas auto-estradas e caminhos-de-ferro; para um “bush pilot”, o conhecimento particular das comunidades, da topografia do terreno e das condições do tempo locais, são tão importantes como a sua aptidão para o voo.
São necessárias capacidades especiais para se operar no Norte em condições de temperaturas muito baixas no inverno.
Os bush pilots frequentemente utilizam nos seus aviões, skis no inverno e flutuadores no verão. Em todas as outras situações, as rodas dos respectivos trens de aterragem são severamente maltratadas em superfícies irregularmente duras. ”
Esta definição aqui transcrita, particulariza um grupo muito restrito de países.
No entanto serve de indicador para compreendermos as três principais razões determinantes da existência deste tipo de voo:
- A falta de meios de comunicação,
- A extensão territorial desses países em questão,
- A carência de infra-estruturas aeronáuticas.

É claro que os bush pilots não existem só no Canadá, no Alasca ou na Austrália. Não poderemos ignorar, os pilotos que voam em quase todos continentes, como o Africano ou o Sul-americano, mormente no sertão brasileiro e na floresta amazónica.

Alguns dos nossos colegas dos TAP, tal como eu, passaram também por esta prática de pilotagem tripulando, aviões dos táxis aéreos em Moçambique, ainda que numa fugaz experiência.
Foram no entanto todos aqueles outros pilotos, que persistentemente operaram através dos tempos, quer nos anos de paz, quer nos da guerra colonial, que entendo que constituem os verdadeiros bush pilots da aviação moçambicana, e a quem estas memórias pretendem homenagear.

Sem nunca esquecer os nomes dos demais, (como o do Jenico Barreto, do Durval, do Mário Gouveia, do Calrão, do Moura, do João e José Quental, do Rolando Mendes, do Joaquim Craveiro e de tantos, tantos outros…), quero aqui referir-me, em particular, aos nossos saudosos colegas, Faria Peixoto (o Faria do Gurué) e Jorge Guerra (o Guerra dos TAM), meu primeiro patrão, e bom Amigo também, porque, em cada momento que nos encontrávamos, mais e mais me assombravam os testemunhos que deles colhia, na oportunidade do voo, no conhecimento do terreno e das condições de tempo, e sobretudo no sentido de orientação por eles revelado, só comparável aos dos pombos-correios, voando sem referências exteriores aparentes, sem mesmo utilizar a ajuda de uma bússola, instrumento que normalmente não compensavam com regularidade.

E aqui termino a apresentação desta minha proposta, deixando desde já prometido que o primeiro relato destas “memórias”, se reporta ao dia em que o meu patrão, Jorge Guerra, assomando à porta da saleta dos pilotos dos TAM, me disse:


- Primavera prepare-se para ir comigo a Salisbury.



Mas isso só para o próximo PORDENTRO…até lá…






J. Primavera
Copia do e-mail do Cte. Primavera autorizando a publicação deste e doutros artigos.
" Esta série de Memórias que tenho vindo a escrever, são publicadas na revista do SPAC ( Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil), que tem o nome de PORDENTRO.

È um órgão de divulgação interna para os pilotos associados do SPAC.

Terei muito gosto de te enviar os que já foram publicados e todos os outros que vou escrever, à medida que forem publicados.

A única coisa que te peço é que informes os leitores do teu BLOGUE, que essas memórias vêm sendo publicadas naquele órgão do SPAC, o PORDENTRO."
Obrigada "Primas".
Luísa Hingá

29/11/08

510-CR-AHE de J. Alves

Adriano Moreira e Sarmento Rodrigues em 1961
Foto e dados do avião enviados pelo Cte. José Vilhena. Obrigada.