“Já não podia viver na minha terra”
- relato dum piloto fugido de Moçambique
“O estado de insegurança que se vive em Moçambique desde a sua independência, em 25 de Junho de 1975, com prisões injustificadas e sem causa formada, e a prática de arbitrariedades contra os cidadãos pelas F.P.L.M. e a policia, estão na base das fugas espectaculares daquele território para países limítrofes e Portugal, principalmente por parte de nacionais portugueses”, diz Rui Monteiro, piloto de aviões e homem de negócios nascido em Moçambique e desde sempre ali residente. Presentemente em Portugal, também ele foi protagonista de uma fuga, que ainda hoje intriga as autoridades do Maputo.
Rui Monteiro recorda o caso da fuga de sete aviões comerciais Moçambicanos, no aniversário da independência, ao qual o “Jornal Novo” se referiu na edição de 26 de Julho de 1976, acrescentando que o governo de Samora Machel, no sentido de suster estes acontecimentos, determinou que os Certificados de Navegabilidade passassem a ficar registados como propriedade da COMAG ( Companhia Moçambicana de Aviação Geral). Esta empresa mista de capitais privados e do estado, mantém os proprietários dos aviões sob contrato, como operadores e técnicos, numa solução de prepotência que, embora determinada pelo governo de Moçambique, é falha de legitimidade internacional.
Rui Monteiro, com um “palmarés” de 3.000 horas de voo na sua carreira de piloto e instrutor, conquistou o seu “brevet” há 36 anos em Braga, quando estudante Moçambicano em Portugal. Ao fim de onze meses de petições quase diárias para que o deixassem sair de Moçambique, na sua qualidade de nacional português, sem resultados positivos e sem que lhe dissessem os motivos de tal atitude, incluindo a recusa de um passaporte, desapareceu “misteriosamente” de Moçambique e surgiu à cerca de um mes em Portugal.
Instado para que nos explicasse o processo que adoptou para escapar ao “paraíso Moçambicano”, escusou-se a pormenorizar, por motivos de segurança de pessoas ainda hoje residentes em Maputo.
Acrescentou, no entanto, ter viajado num avião que levantou voo algures em Moçambique, deixando-o além fronteiras e regressando de novo ao campo de aviação de onde partira, sem que a vigilância popular se apercebesse da manobra. No país estrangeiro para onde havia sido conduzido, aguardou um passaporte que lhe foi enviado de Lisboa, comprou a passagem....e cá está!
Na véspera da fuga dos sete aviões, um outro aparelho, este adstrito à Força Aérea de Moçambique, um “Aerocomander” que fora das Forças Armadas Portuguesas e agora era comandado pelo piloto da “Frelimo” Jorge Cruz Galego, empreendeu também, com o seu piloto, a fuga do território.
Jorge Galego descolou para um voo de verificação do aparelho, após uma revisão completa e instalação de radar que o valorizou em cerca de 15 mil contos. Como a partir de certa altura tivesse cessado contacto com a torre de Maputo, os Serviços de Aeronáutica tentaram localizá-lo, de todas as formas, acabando por chamar o controle de Joanesburgo. Desta cidade Sul-africana informaram quinze minutos depois:” o vosso avião esta em contacto com Salisbúria, para onde se dirige”!
Ainda muito recentemente, há cerca de uma semana, segundo informação de Rui Monteiro, um bimotor “Islander” transportando dois motores novos no seu interior, e pilotado por Correia Mendes, descolou do aeroporto de Quelimane, rumo à Rodésia e não regressou mais a Moçambique. Eleva-se a vinte, entre aviões e helicópteros, o número de aparelhos já saídos de Moçambique e que o governo deste país não poderá reclamar, à face da legislação internacional, pois todos eram propriedade dos fugitivos, com excepção talvez do “Aerocomander”. Mas quem sabe onde se encontrará agora o aparelho e o piloto?
Dos helicópteros que escaparam à vigilância da “Frelimo”, conta-se um “Allouette III” tripulado por Pedro Gaivão, que foi da Força Aérea Portuguesa e agora já ostentava as cores da HEPAL, Serviço de Helicópteros nacionalizada pelo governo e que se encontra sob o controlo absoluto do estado.
Também com foros de sensacionalismo, foi o desaparecimento de um outro aparelho de um campo de aviação da Moamba, 100 quilómetros a norte da cidade do Maputo, onde se deslocara levando um médico e um enfermeiro, depois de uma chamada de urgência, ao que parece infundada. Enquanto aqueles funcionários dos serviços de saúde se internavam no mato em busca de um doente, que parece nunca ter existido, o piloto descolou e rumou para fora do território moçambicano, “talvez por erro direccional”.
“A melhor forma de suster estes acontecimentos seria a criação de medidas de segurança pessoais, em Moçambique, em lugar da implantação de uma generalizada atmosfera de terror”, afirma Rui Monteiro.
Artigo no “Jornal Novo” publicado em 1976.
Enviado pelo Cmte José Vilhena
4 comentários:
Saúdo o Sr. Comandante. O meu Pai - Cunha Alegre, foi também piloto da COMAG.
Não se quer identificar? Se tiver algumas fotos ou doc do seu pai relacionadas com o tempo de piloto, nós colocá-las-emos.
Olá, Luísa. Sou o sobrinho do seu colega Jorge Guapo de Almeida. Mais tarde, voltarei ao tema. Bem haja.
Saudações,
Alguma imprecisão nesta parte do artigo.
""Também com foros de sensacionalismo, foi o desaparecimento de um outro aparelho de um campo de aviação da Moamba, 100 quilómetros a norte da cidade do Maputo, onde se deslocara levando um médico e um enfermeiro, depois de uma chamada de urgência, ao que parece infundada. Enquanto aqueles funcionários dos serviços de saúde se internavam no mato em busca de um doente, que parece nunca ter existido, o piloto descolou e rumou para fora do território moçambicano, “talvez por erro direccional”""".
Nào foi de um campo de aviação na Moamba mas sim em Magude. Era um voo do Serviço Médico aéreo (semanal - às Quintas-Feiras). O Cte. Arnauth estava aproveitar o voo para finalizar a conversão do Pires para o Alouette III. O Pires acabou por descolar sozinho, deixando o Arnauth em terra.
Isto aconteceu precisamente no mesmo dia do voo do Pedro Gaivão, rumando os dois (com os dois helicópteros) para Salisbúria.
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