O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

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Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

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Por motivos alheios algumas das imagens não abrem no tamanho original. Nesse caso podem selecionar “abrir imagem num novo separador” ou “Guardar imagem como…”.

21/02/10

654-Cte.Virgílio Ferreira dos Santos -1






Natural de Lisboa nasceu a 5 de Abril de 1925.

Iniciou a sua carreira de piloto na Escola do Aero Clube de Moçambique em 1946, recebendo instrução num Tiger Moth.
Foi admitido na DETA em 1946 tendo obtido a sua licença de Piloto Aviador de Transporte Público a 15 de Junho de 1948.
Nesta empresa voou praticamente todos os seus aviões, desde o pequeno mono motor o Hornet Moth, passando pelo Dragon Rapide, Junkers JU-52, Lockheed Super Electra, Lockheed Lodestar, De Havilland Dove, Douglas DC-3 "Dakota", Fokker F-27 Friendship" e finalmente o Boeing 737.
Deixou a DETA em 1973, entrando para a TAP nesse mesmo ano.
Nesta última companhia aérea voou Boeing 727 e 737. Ao longo da sua longa carreira de piloto acumulou cerca de 30.000 horas de voo, reformando-se em 1985 aos 60 anos de idade.
Possuía cursos de formação técnico-profissional tirados em Moçambique, África do Sul, Estados
Unidos da América e Portugal.
Faleceu em Lisboa no dia 28 de Dezembro de 2004, aos 79 anos de idade.

Espólio do Cte. Virgilio Santos enviado pela filha Anabela Santos.
Obrigado.

Continua../..

653-Cte. Francisco Emanuel Leite Fragoso

Cte. Francisco Emanuel Leite Fragoso entrou para a DETA em 1936, tendo-se reformado em 1975, após 39 anos de serviço.





DETA - DH-104 CR-ACL, baptizado "Angoche" apos uma aterragem de emergencia nas margens do rio Limpopo, num voo da Beira para Lourenco Marques. A bordo seguia um grupo de criancas que haviam naufragado ao largo da Beira no navio "Clipfontein".
Felizmente as coisas correram bem e sem casualidades, para alem de alguns danos evidentes no aviao. O Dove foi reparado no local e dias mais tarde descolou e prosseguiu em "ferry" para Lourenco Marques.
Piloto: Francisco Emanuel Leite Fragoso.

Cte. Francisco Emanuel Leite Fragoso, junto a um Dakota DC-3 no Aeroporto de Mavalane, Lourenco Marques. Decorria o ano de 1953

DETA - DH-104 CR-ACL "Angoche" na margem do rio Limpopo ja reparado após alguns danos sofridos na sequencia de uma aterragem de barriga dias antes. O Dove descolou num troco improvisado e seguiu ferry para Lourenco Marques.
Piloto: Francisco Emanuel Leite Fragoso






Tripulacao da DETA junto a um Lockheed Lodstar L18 no Aeroporto do Lumbo.


(Fotos e legendas enviadas pelo filho, Cte. Carlos Costa)

26/01/10

650-Cte. Joaquim Primavera e Cte.Faria e Melo


Foto enviada pelo Cte. Joaquim Primavera acompanhada pela nota a seguir referida:

"Encontrei esta fotografia tirada no cockpit de um Dakota que envio para a tua colecção.
Estou a voar com o Faria e Melo a copiloto não sei em que voo, mas localizo-o aí por volta de 1969.

JP"
O meu obrigada.

(Clicar)

22/01/10

649-Comentário do Cte. José Vilhena sobre o falecimento do Cte. Luís Santos da Costa Branco

22/01/2010
Hoje é sem sombra de dúvida um dia triste para toda uma geração de pilotos que conheceu o Comandante Luis Santos da Costa Branco. Um profissional impar na história da nossa Aviação contemporânea.
A atribuição do prémio Carlos Bleck da Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA) para 2011, com a realização de um livro sobre a sua vida, vem de certo contribuir para que todos fiquemos a conhecer melhor a sua obra, como Homem e Profissional da Aviação. Pena é que não possa já participar em vida nesta justa e tardia homenagem.
Moçambique ficou de certo mais pobre, com a perda deste Grande Senhor, que como tantos outros, ajudaram a construir a Aviação naquelas terras longínquas do Índico.
A minha singela homenagem a alguém, que para todos nós pilotos profissionais, sempre foi um exemplo.
José Vilhena

Almoço anual do pessoal da DETA, a 24 de Abril.

Para conhecimento dos antigos funcionários da DETA .

O almoço anual do pessoal da DETA, realiza-se no próximo dia 24 de Abril no restaurante da antiga FIL.
As inscrições podem ser feitas até 15 de Abril para o Carlos Mendes tel. 96 666 24 28 ou 21 363 47 99.
Com os meus agradecimentos.
J.Monteiro

21/01/10

648 - Faleceu o Cte. Luís Santos da Costa Branco, ex-Comandante da DETA













Faleceu hoje o Cte. Luís Santos da Costa Branco
O Voando em Moçambique apresenta condolências à família


O Cte. Branco era o o mais antigo piloto português de linha aérea.

Nascido a 25 de Outubro de 1917 em Vila Nova de Oliveirinha, Luís Branco é considerado "um pioneiro nos transportes aéreos portugueses", sendo um dos mais antigos pilotos da primeira transportadora de linha aérea nacional, que foi a DETA (hoje Linhas Aéreas de Moçambique).
Teve em 1933 o seu baptismo de Voo com o Capitão Piloto Aviador João Luís de Moura. Foi admitido como praticante de escritório nos Caminhos de Ferro de Moçambique a 13 de Maio de 1936. A 6 de Maio desse ano iniciou a instrução de voo no Aero Clube de Moçambique tendo como instrutor Jimmy Childs, piloto Sul Africano que combateu na 1ª Grande Guerra. Efectuou o seu primeiro voo a solo a 2 de Junho de 1936 e foi nomeado Aluno Piloto Aviador da DETA. Em 28 de Outubro de 1937 iniciou o curso de qualificação para Piloto de Aviões de Transporte Publico. Em 1939/1940 frequentou o curso de Radiotelegrafista de Aeronaves na Escola Telégrafo-postal dos CTT, recebendo o respectivo certificado do Serviço de Aeronáutica Civil (SAC) em 15 de Julho de 1940, tendo ingressado nas carreiras aéreas da DETA.Posteriormente efectuou cursos em Inglaterra, Holanda e Estados Unidos, nomeadamente cursos de qualificação em Fokker Friendship F27 e Boeing 737. Voou Hornet Moth, Dragonfly, Dragon Rapide, Junkers 52, Lockheed Electra e Lodestar, Dakota, Friendship e Boeing 737. Foi durante vários anos instrutor, verificador e Piloto Chefe da DETA. Completou 33.800 horas de voo no total, tendo muitas delas sido realizadas quando ainda não existiam as mínimas condições de apoio à navegação, uma vez que se iniciava em todo o mundo o hoje cómodo e seguro transporte aéreo"
Além de ter representado a antiga DETA em várias reuniões e eventos internacionais e de ter transportado diversas persolidades, participou na elaboração da primeira legislação nacional sobre tempos de voo e repouso dos tripulantes de voo.
Oficial da Ordem Militar de Cristo e Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique, possui ainda vários louvores, destacando-se um atribuído em 1953 por ter evitado "um acidente de graves consequências ao comando do avião bimotor Lockheed-14, com um dos motores a arder e outro a falhar".
O comandante Luís Santos da Costa Branco cumpriu o seu último voo em Moçambique, aos comandos do avião Boeing- 737, no dia 22 de Maio de 1976, numa carreira regular Lourenço Marques - Joanesburgo - Lourenço Marques.
A Aviação em Moçambique muito ficou a dever ao Cte. Luís Branco pelo grande labor, empenhamento, esforço e entusiasmo. Para as novas gerações de pilotos foi sempre um marco e uma referência.


08/01/10

646-Fotos de Rui Oliveira (ex-despachante de tráfego e comissário de Bordo da DETA)


O colega que está ao volante do Gerador é o Adérito Mota, ou seja, é a mesma pessoa que estava no gerador do acidente com o "Friendship". Nota: (Referido no artigo anterior)


Da esquerda para a direita: Rui Oliveira, (Agradeço a ajuda na identificação destes funcionários da DETA)

Em relação à minha identificação eu era sobrinho do sr. Raul Monteiro (Chefe de Escala), e estive no aeroporto da Beira entre Março de 69 a Agosto de 70, altura em que fui para tropa. Depois da do serviço militar fui colocado em Lço. Marques e em Janeiro de 75 fui para comissário de bordo, onde permaneci até Junho de 77.
Rui Oliveira

645-Acidente do CR-AIB no Aeroporto da Beira em 11.12.1969




Fotos enviadas por Rui Oliveira (ex-despachante de tráfego e comissário de Bordo da DETA)

07/01/10

644-António da Cunha Alegre - piloto da COMAG e da ETAPA


Shrike Commander
Antonio Cunha Alegre
Antonio Cunha Alegre



O meu nome é Paulo A. Guapo da Cunha Alegre, nasci e vivi em Moçambique, em concreto, em Nampula, Porto Amélia e Montepuez.
O meu Pai - António ("Toninho") da Cunha Alegre - foi piloto da COMAG e da ETAPA, tendo voado também nas FAV (consta na lista de Pilotos da ETAPA, no Vosso artº. 639 de 19/11/2009).
O Cmdt. Olímpio Craveiro foi instrutor e colega do meu Pai, e Amigos de longa data, pelo que, me lembrei de remeter algumas fotos do mesmo.
Cordiais cumprimentos


--
Paulo da Cunha Alegre

07/12/09

643-MEMÓRIAS PARA UM "BUSH PILOT" - MEMÓRIA OITAVA: A PISTA DO ZINAVE


Fotografia do Blogue “Fauna Bravia, Caça e Caçadores de Moçambique” de Celestino Gonçalves ex-fiscal de caça de Moçambique. Poderemos ver o caçador guia Amadeu Peixe (ao meio), com o caçador de arco e flecha Fred Bear (direita) , junto do elefante abatido pelo famoso archeiro americano.

MEMÓRIA OITAVA: A PISTA DO ZINAVE

Se bem se recordam, ao terminar a Memória Sétima prometi que vos iria falar na Memória Oitava de um acontecimento insólito ligado à pista do Zinave.
Tudo começou quando um célebre caçador de arco e flecha americano, Fred Bear, se deslocou à Beira para efectuar um safari na coutada de caça do Zinave.
Mas, para vos falar do Zinave, terei de me referir obrigatoriamente aos safaris da Moçambique Safarilândia, uma reputada empresa do turismo cinegético, que explorava entre várias, a concessão da coutada oficial nº 5 e a do Parque Nacional do Zinave, junto das margens do rio Save.
A criação de concessões de exploração de coutadas de caça, surgiu com o conceito de uma nova de política de conservação e exploração da fauna selvagem em Moçambique, por volta dos finais da década de cinquenta, contrariando o tipo de caça até então praticado, conhecido pela “caça utilitária”, que levou à completa extinção da fauna dos grandes antílopes. Na verdade esta caça visava exclusivamente a comercialização dos troféus dos animais abatidos, como as peles que decoravam muitos palacetes nos continentes americanos e europeu, onde eram também expostos troféus das cabeças embalsamadas de pacíficos gigantes africanos, exibindo admiráveis armaduras ou enormes pontas de marfim.
A par desta obsessiva investida aos troféus de caça, a devastação da fauna de animais selvagens era ainda ampliada pelas maciças caçadas de manadas de búfalos e elefantes, com o propósito de comercializar a carne dos animais abatidos que era vendida para as grandes companhias açucareiras da região. Esta caça indiscriminadamente praticada levou ao desaparecimento de muitos milhares de búfalos e elefantes dos vastos “tandos” de Marromeu, cujas toneladas de carne serviram para sustentar, a um baixo preço, as necessidades alimentares dos trabalhadores daquelas explorações agrícolas.
A esta nova actividade aderiram entusiasticamente alguns dos mais experientes caçadores-guias profissionais da época a que se juntaram outros caçadores amadores que se dedicavam na altura, à prática da caça desportiva.
Dos primeiros, porque tive um contacto mais próximo, lembro os nomes de Adelino Serras Pires e José Joaquim Simões que se tornaram conhecidos no mundo da caça, pela realização do safari oficial dos Marqueses de Villaverde, de Espanha, convidados do Presidente da República Portuguesa.
Este safari teve uma vasta cobertura jornalística que permitiu a sua difusão no estrangeiro, sobretudo em Espanha, com a resultante divulgação das coutadas de Manica e Sofala em especial da coutada explorada pela Agência de Turismo da Beira, de que Serras Pires era sócio gerente.
Dos jovens caçadores amadores que aderiram aos safaris de Serras Pires, recordo, por uma sã convivência de juventude, os nomes de dois caçadores que mais tarde se tornaram famosos em todo o mundo ligado à caça, nomeadamente nos Estados Unidos da América e em alguns países da Europa, da Ásia e na Austrália - o Rui Quadros e o Amadeu Peixe.
Alguém apelidou estes inspirados personagens de "príncipes da selva"!

Amadeu Peixe (à esquerda) e Rui Quadros, a dupla de caçadores guias mais famosa em Moçambique, junto de uma Impala abatida nas coutadas do Save.
nas décadas de 60 e 70.

O “príncipe da selva” com uma caçadora de arco e flecha junto de uma Impala abatida nas coutadas do Save.
Depois desta breve incursão pelo panorama cinegético de Moçambique dos anos 60, regressemos ao tema da nossa Memória Oitava – A pista do Zinave.
Como ia escrevendo, chegou à Beira num dia do ano de 1965, o americano Fred Bear, célebre fabricante e caçador de arco e flecha, para efectuar um safari na coutada de caça do Zinave, utilizando apenas aquelas armas e contando, para sua segurança e protecção, com a necessária presença e o apoio do experimentado caçador – guia, Amadeu Peixe.
A comitiva seguiu nesse mesmo dia para o Zinave transportados no Azetec e no Twin Comanche, os dois bimotores dos TAM, ficando todo o equipamento em armazém, para ser transportado no dia seguinte.
Coube-me a mim essa missão, utilizando para o efeito o já vosso conhecido mono-motor de asa baixa, o Comanche CS-AGJ, uma máquina silenciosamente veloz, com um habitáculo bastante cómodo o que era uma particularidade dos aviões da marca “PIPER.
Colocada uma pequena parte da bagagem na única e apertada bagageira, houve que distribuir a maior parte da restante pelos bancos traseiros, após o que me acomodei no banco do lado esquerdo frente aos comandos de voo. Só então foi completado o carregamento do equipamento de caça constituído por arcos e flechas devidamente condicionados em contentores de lona que ocuparam todo o espaço do banco do lado direito, foi de seguida fechada, pelo lado de fora, a porta de acesso à cabina.
Descolado do aeroporto da Manga neste meu primeiro voo em direcção ao Zinave, subindo para 5.000 de altitude de cruzeiro, procurava identificar os pontos da carta desdobrada sobre os meus joelhos observando cuidadosamente o terreno sobrevoado.
A savana desenrolava-se rapidamente sucedendo-se sob a minha aeronave que voava velozmente pelo espaço azul de um claro dia de Verão na direcção seleccionada à partida apontando para uns 40º à direita do caminho para Sul, melhor pormenorizando, para o azimute 220º.
Havia já voado cerca de 45 minutos dos 60 minutos totais quando comecei a divisar bastante ao longe, o reflexo do Sol no leito sinuoso do rio Save que corria de ocidente para oriente em busca do Índico onde terminava o seu longo percurso, agora em terreno plano, repousando das loucas correrias nas montanhas Sul Africanas onde era conhecido como Sábiè River.
E na margem direita lá estava a pista do Zinave junto a umas pequenas lagoas que permaneciam com água por bastante tempo depois as cheias que inundavam periodicamente as margens do rio Save.
Após umas duas voltas de reconhecimento do local de aterragem que serviam também para anunciar ao pessoal do acampamento do Safari da minha próxima chegada aterrei suavemente numa pista de terra batida, levantando uma nuvem de poeira à medida que rolava para o local de estacionamento.
Parado o motor fiquei aguardando a chegada de alguém que viesse abrir a porta que me permitisse finalmente deixar a minha aeronave que exposta ao Sol impiedoso naquela pista desabrigada aumentava de modo insuportável a temperatura interior.
E olhando para toda aquela carga que colocada entre mim e a porta de acesso ao habitáculo me impediria de deixar precipitadamente a aeronave em caso de uma emergência, apercebi-me da grave falta de segurança em que incorrera desde que iniciei este serviço de voo!
Finalmente a porta foi aberta e uma lufada de ar renovou a atmosfera abafada do interior do avião.
Uma cara conhecida, que um chapéu de largas abas protegia do Sol impiedoso que aquela hora do meio dia atingia o Zénite, espreitou com um largo sorriso.
- Ora viva Primavera. Isto não parece um avião! … Mais parece um sarcófago!
Mal acabara de pronunciar estas palavras quando eu, recordando num lampejo um episódio vivido dias atrás, deixei escapar uma sonora gargalhada que me apressei a aclarar.
- Caro Rafael. Não te espantes com esta gargalhada, pois quando souberes o que se passou comigo no outro dia em Nampula, irás rir-te com gosto também:
Preparava-me para deixar aquele aeródromo de regresso à Beira após terminado o fretamento que me levara até lá, quando aparece o meu amigo Rolando Mendes, o “mendji” como lhe chamávamos, proprietário e piloto do Táxi Aéreo de Nampula acompanhado de um cliente que perdera o avião da carreira da DETA com destino à Beira.
Sabendo que iria regressar àquele aeroporto, propôs-me que eu o aceitasse como passageiro, mediante o pagamento, claro, da quantia devida pelo bilhete de transporte (é que nós, táxi aéreo, não fazíamos concorrência à DETA nem esta aos Táxis aéreos!).
-Tudo bem, mas temos de nos despachar porque se aproxima uma frente vinda de Leste que já se vê pela nuvem de poeira de cor vermelha e que a forte ventania levanta e espalha pelo ar, acrescentei.
Para tua informação, Rafael, o passageiro em questão era um conhecido da minha juventude, familiar do proprietário da Agência Funerária Capela, para quem trabalhava e que se havia deslocado a Mueda com a finalidade de proceder ou agendar o funeral de um militar falecido.
Regressado ao aeródromo, depois de colectar a mala de viagem que deixara na pensão Raposo, dirigiu-se correndo, arrastado pelo Mendes para a placa junto à aerogare onde eu o aguardava com o mesmo “comanche” em que agora chegara ao Zinave, sentindo já a ventania que se aproximava rapidamente e com tal intensidade que fez com que ele, muito a medo, perguntasse:
-Snr. Rolando, acha seguro descolar agora?
-Entre já para o avião. O Primavera é que é o piloto e ele sabe muito bem o que anda a fazer!
Foi só tempo de fechar a porta e já autorizado pelo controlo, rolar para a pista, testando os magnetos em andamento e descolar de imediato para Norte com forte vento do lado direito que mal o avião saiu do chão aproou ao vento numa deriva impressionante!
Já no ar, com uma volta pela lado esquerdo que nos colocou de início numa situação paralela à direcção do vento, sacudidos por uma forte ventania que abanava a pequena aeronave como se tratasse de uma folha seca de uma qualquer árvore, comecei a afastar-me rapidamente daquela frente.
Já refeitos da tensão provocada olhei para o meu passageiro e perguntei-lhe:
-Tiveste medo?
-Bem o problema não foi esse, o medo …
-Como assim?
-É que eu estava muito mais preocupado afinal porque não só perderia o teu funeral como seria outra pessoa que lucraria com o meu!!!

O meu obrigada ao Cte. Primavera.

642-MEMÓRIAS PARA UM “BUSH PILOT”- Memória Sétima: O INFERNO DO PANDE


“O INFERNO DO PANDE” – Fotografia tirada a bordo do Cessna 180 CR-AFH sobrevoando o local do incêndio a cerca de 1500 pés de altura, 12 horas após ter deflagrado. Na foto vê-se à direita a estrutura da torre de aço com cerca de 30 metros de altura que se desmoronou em minutos, fundida pela temperatura da chama avaliada em cerca de 1000 graus centígrados

MEMÓRIA SÉTIMA: O INFERNO DO PANDE

A PISTA DO PANDE:
Quando pensei escrever mais esta pequena narrativa sobre uma pista, a do Pande, não encontrei relacionado com ela, nada parecido com os finais que tenho utilizado nas outras MEMÓRIAS, em que termino invocando uma situação divertida aproveitando-me dos comentários dos passageiros envolvidos na narração!
É que na verdade esta ideia surgiu da recordação de um acontecimento algo insólito e grandioso que veio repentinamente quebrar a rotina das nossas missões do táxi aéreo com destino à pista do Pande e que foi o grande incêndio que deflagrou numa perfuração de um poço de gás natural naquela região.
Antes de iniciar esta MEMÓRIA, tive o cuidado de percorrer na Internet quer os sites relativos a Moçambique, quer ainda o site da então designada Mozambique Gulf Oil Company, que explorava a prospecção do petróleo em Moçambique, nomeadamente a exploração de gás natural na província de Inhambane, sem que tenha obtido qualquer referência àquele incêndio!
A única menção curiosa que consegui encontrar, diz respeito ao site de um texano, o Snr. Red Adair conhecido pelo “Oil well fire fighter” americano e que eu vi um dia à sua chegada à Beira, rodeado de uma enorme cobertura jornalística.
Eis um pedaço da biografia deste bombeiro americano:
“Red Adair was the most famous firefighter in the world, known for his expertise in putting out oil well fires and controlling well blowouts. After serving in a bomb disposal unit in World War II, Adair returned to Texas and started fighting oil well fires. In 1962 he gained international fame when he led a team that put out a fire in the Sahara that had been burning for six months. (The gas fire had been dubbed "The Devil's Cigarette Lighter.") Adair founded his own equipment and consultation business in 1972 and pioneered firefighting techniques and tools. After the Gulf War in 1991 he participated in controlling the oil well fires in Kuwait (set by Saddam Hussein's retreating army).”
O estranho porém é que do seu curriculum não consta curiosamente nada da sua actuação, assaz discutível, senão fracassada, como veremos adiante, no incêndio do Pande.

Terminados estes considerandos, vamos já de imediato para a narrativa desta nossa MEMÓRIA SÉTIMA.
Mal havia chegado naquela manhã daquele ano de 1965 ao escritório dos TAM no aeroporto da Manga na cidade da Beira quando o telefone tocou insistentemente sem se desligar ainda que eu me tivesse atrasado em atender.
Uma voz feminina, abafada, tentando esconder a sua identidade, perguntou:
- Quem vai voar esta manhã para o Pande?
- Sou eu, mas porquê? Interroguei.
- Leve consigo uma máquina fotográfica …
- Para quê? Atalhei.
- Para tirar fotografias a algo de grandioso que alguma vez supôs poder um dia assistir …
- Mas o que se passa? Perguntei.
- O furo do Pande está a arder desde as 20 horas de ontem …

Sem dar possibilidade a qualquer pergunta ou comentário meu, a dona daquela voz misteriosa desligou …
Acreditem que, sempre que voava, transportava normalmente comigo a minha máquina fotográfica Canon, preparada para colher quaisquer imagens interessantes com que deparasse nas minhas viagens. Só que nesse dia não a tinha comigo!
De imediato telefonei ao meu Amigo, o conhecido fotógrafo do Diário da Beira, Ricardo Rangel, para me arranjar uma máquina carregada com o respectivo filme, sem mencionar as razões desse meu pedido, até porque esta situação já havia acontecido numa ou outra ocasião.
Porque o meu colega, o João Quental só tivesse um voo programado para daí a três horas, pedi-lhe que me acompanhasse no voo evocando a promessa de uma surpresa à nossa chegada ao Pande.
Havíamos deixado já para trás a povoação de Sofala, dez minutos depois de descolados da Beira no nosso voo de 50 minutos para o Pande, quando se começou a distinguir uma coluna de fumo rasgando o céu sem nuvens daquela manhã de Verão.
Desembarcados os dois passageiros e a respectiva carga que transportara para o Pande, descolei de regresso à Beira sobrevoando em círculos, a cerca de 1500 pés de altura, aquela chama imensa, tendo o João que pilotava agora a aeronave, o cuidado de não se aproximar demasiado para não chamuscar as asas do nosso “pássaro”, enquanto eu, liberto da pilotagem, disparava ininterruptamente a Canon emprestada.
Chegados à Beira já nos aguardavam quer o Rangel, quer o director do Diário da Beira conhecedores em pormenor quer do incêndio quer das fotografias que tirara pedindo-me que lhas facultasse para divulgação no seu jornal.
Foi assim que esta fotografia que inicia esta minha SÉTIMA MEMÓRIA correu todas as agências noticiosas nacionais e estrangeiras.
Mas vejam só a minha falta de visão comercial - para além da satisfação pessoal de a saber publicada em muitos dos diários de todo o mundo, não exigi qualquer retribuição pecuniária pela sua cedência ao jornal.
Em contrapartida ainda houve uma tentativa de pressão por parte do responsável da Golf Oil na Beira, junto do gerente da TAM, o meu amigo Jorge Guerra, para que nos fosse imposto um procedimento disciplinar, a mim e ao João Quental, pelo facto de termos fotografado aquele incêndio sem a sua autorização prévia!
Foi após a publicação destas fotos denunciadoras daquele enorme acidente, que desembarcou tempos depois, no aeroporto da Manga na cidade da Beira, o célebre "apagador de fogos", o americano RED ADAIR que acima me referi e que rodeado de uma cobertura jornalística enorme, depois de montar um dispositivo com cargas explosivas, especialmente concebido para o efeito, apagou de um só sopro, o incêndio que durava havia já uns meses. Mas imagine-se só o que àqueles cérebros não ocorrera : é que apagado o fogo, o gás natural continuava a sair pela abertura à superfície, a uma pressão de uns 80.000 psi, poluindo a atmosfera num raio de muitas dezenas de quilómetros. Em face disto, voltaram a reacender a chama que permaneceu ateada por mais de uns dois anos.
Entretanto foram destacados para a pista do Pande em regime de permanência, um piloto e respectiva aeronave com o objectivo de assistir a qualquer emergência que pudesse surgir. E como mais novo na empresa, coube-me a mim esse destacamento ficando alojado nas instalações do pessoal da Golf Oil, constituído por contentores devidamente climatizados.
Recordo-me ainda da primeira noite que lá passei depois do meu regresso do voo daquela manhã em que avistei pela primeira vez aquela chama de cor vermelha alaranjada:
- A noite não chegava nunca depois do por do Sol, tão intensa era a luz daquele imenso archote que iluminava a paisagem rasgada pelas silhuetas de animais espantados, cruzando-se alheios à presença de cada um. Viam-se pequenas gazelas e cudos correndo indiferentes à vizinhança de um leopardo solitário ou de um bando de mabecos, viam-se cobras rastejando apressadas, mochos esvoaçando confusos num voo silencioso contrastando com o estridente ruído do gás queimado à saída do solo donde se escapava, num cenário digno da pena do génio poético de Dante.
Depois, a vida foi rareando e aos poucos a paisagem ficou deserta de seres vivos à excepção dos humanos que teimosamente e por motivos diferentes eram obrigados a permanecer. Restavam apenas, quais fantasmas, as sombras queimadas da vegetação que desaparecera pela acção duma chama que irradiava uma temperatura avaliada em 1000 graus centígrados não permitindo que alguém se aproximasse a menos de uns trezentos metros sem qualquer protecção.
Porque o solo em redor da cratera, que se ia aos poucos alargando pelos desmoronamentos dos terrenos vizinhos, era de rocha calcária sulcada por inúmeras e minúsculas fissuras, apareciam aqui e além pequenas chamas, uns “foguinhos” como lhes chamávamos. E como nos divertíamos a abafá-las com as nossas botas, apagando-os temporariamente, porque em breve surgiam “milagrosamente” um pouco mais ao lado!
Com o decorrer do tempo tudo voltou à rotina normal e em breve tanto a minha permanência como a da aeronave deixaram de constituir uma necessidade pelo que abandonámos definitivamente a estadia no Pande que continuava a arder noite e dia.
Entretanto os técnicos que atalhavam aquele dantesco incêndio tiveram de abandonar a técnica inadequada proposta pelo apagador de fogos, o texano Red Adair e passaram a injectar cimento em toda a área de rocha calcária envolvente da cratera por onde se escapava o gás. Só assim, mercê de um trabalho lento, persistente mas decisivo conseguiram tapar a cratera e todas as fissuras dos solos envolventes e o incêndio extinguiu-se finalmente.
E com ele terminou também o espectáculo que ao longo daqueles três anos os beirenses se haviam habituado a comprazer, ao longo da estrada marginal que orla a margem esquerda do Rio Pungué, desde a Ponta Gea até ao farol do Macúti, com o clarão que a chama, lá de muito longe, naquelas noites límpidas projectava nas nuvens altas que pairavam por vezes sobre a região do Pande.
Já depois de ao fim de um ano ter abandonado os TAM e depois de deixar a Placo Aircraft Sales em Pretória entrei para a DETA, a então companhia de aviação comercial de Moçambique, em finais de1966.
E quando voávamos da Beira para Lourenço Marques, ainda durante bastante tempo, lá estava ela, aquela chama que teimava em assinalar aquele dia em que o gás, cuja existência todos nós ignorávamos, irrompeu do subsolo denunciando a sua existência ocultada, num incêndio a que agora apelidei de “O Inferno do Pande”. E sobre ela falava aos tripulantes com quem voava contando arrebatado o que vos acabo de relatar!
Extinto aquele inferno, foram-se aos poucos apagando da memória das pessoas todas as recordações que lhes sacudiram durante aqueles anos, a monotonia do quotidiano das suas vidas.
E foi por não poder aceitar o esquecimento a que este acidente foi votado que vos trouxe aqui hoje esta recordação para convosco a partilhar.


Terminada esta narrativa de certo modo diferente das outras, sobre a pista do Pande, anuncio-vos antecipadamente o tema da MEMÓRIA OITAVA: A pista do Zinave.


Até lá …

Bons voos.






O meu obrigada ao Cte. Primavera.

641-CR-AAC DeHavilland DH87B Hornet Moth, de Armando Torre do Valle


O CR-AAC “Nacala” no Xai- Xai em 1944
Construído em 1936 em Hatfield (Reino Unido), com o número de série 8104, o DeHavilland DH87B Hornet Moth CR-AAC foi adquirido por Armando Torre do Valle a 8 de Setembro desse ano tendo-o baptizado de “Gaza V”.
Após a sua morte a 16 de Setembro de 1937, foi o avião vendido à DETA (Divisão de Exploração dos Transportes Aéreos). Baptizado de “Nacala”, tal como o seu irmão gémeo o CR-AAA, foi inicialmente destinado à instrução dos seus pilotos, bem como a fretamento de carga e correio, não levando mais do que um passageiro além do piloto, este avião sulcou os céus de Moçambique, desde Lourenço Marques a Mocímboa da Praia, último destino da DETA na altura. Mais tarde, em Agosto de 1967, foi oferecido ao Aero Clube de Moçambique pelo Engº Abel de Azevedo, Director da DETA, tendo sido baptizado com o seu nome. Após cinco anos a voar neste Aero Clube, mais uma vez muda de casa em 1972, quando passa a pertencer ao espólio do Museu do Ar.
Permanece imaculado no pólo deste museu em Sintra, perpetuando a saga dos aviões que sulcaram os céus de Moçambique.


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23/11/09

640-Cte. José Marques Sepodes

O comandante José Marques Sepodes nasceu a 15 de Outubro de 1926 em Mira de Aire, (Portugal), aos três anos foi viver com os pais para Moçambique onde viveu até à sua morte em 1970. Em 1950 casou com Olinda Suzete Marques Sepodes e teve 3 filhos José Carlos, Vítor José e Olinda Maria.

Em 1950 ingressou na DETA como piloto e aí fez a sua carreira até ser promovido a comandante de aeronaves. Fez mais de 15.000 horas de voo, ao comando dos mais variados modelos que compuseram a frota da empresa, nomeadamente os Dove, Dakotas, Friendship e Boeing.

Faleceu no trágico acidente do Fokker Friendship “CR-AIB” baptizado por Beira, a 28 de Março de 1970, durante um voo de instrução no Aeroporto de Mavalane.

Do comandante José Sepodes lembra-se a sua imagem de excelente profissional e de homem directo e assertivo, que deixou muitos amigos por todo o Moçambique ao longo dos vinte anos em que percorreu os céus aquele belo País.




José Sepodes no inicio da carreira


Nos anos 60 José Sepodes e Flávio Carvalho

Em 1961 José Sepodes e Luis Branco, em João Belo, durante a visita do Governdor-Geral.


Mensagem de José Sepodes, filho do Cte. Sepodes, a quem agradeço muito o envio das fotos:

"Tive a oportunidade de aceder ao blogue -Voando em Moçambique- e fiquei grato por alguem se ter lembrado de recordar para a eternidade os "heróis" da antiga Aviação Comercial de Moçambique.
Junto fotos do meu pai, Comandante José Sepodes, que faleceu trágicamente no acidente ocorrido no Aeroporto de Mavalane em 1970.
Pela seu profissionalismo e dedicação à DETA resolvi enviar algumas fotos que o recordam, e de forma a fazer par com os seus valorosos colegas que são ilustrados no seu blogue.

Muito obrigado
José Carlos Sepodes "

19/11/09

639-Cte.Olimpio Craveiro e ETAPA




C9-AQK, antes CR-AQK


As fotos vinham acompanhadas pela seguinte mensagem:
"Conforme combinado à meses atrás e após muita insistência cá vai mais uma breve contribuição que espero possa "postar" no seu site integralmente.

Os dados, documentos e fotografias que seguem dizem respeito ao Cte. Olimpio Craveiro, irmão do Joaquim Maria Craveiro também piloto.

Segue um resumo da actividade da "Etapa", um scanner dum louvor publicado em Diário da Republica, algumas fotos do Cte. Olimpio Craveiro e alguns aviões.

Espero ter podido contribuir para o enriquecimento do site
Luís Rebelo@
Luís obrigada pelas fotos.