O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

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Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

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Por motivos alheios algumas das imagens não abrem no tamanho original. Nesse caso podem selecionar “abrir imagem num novo separador” ou “Guardar imagem como…”.

07/12/09

643-MEMÓRIAS PARA UM "BUSH PILOT" - MEMÓRIA OITAVA: A PISTA DO ZINAVE


Fotografia do Blogue “Fauna Bravia, Caça e Caçadores de Moçambique” de Celestino Gonçalves ex-fiscal de caça de Moçambique. Poderemos ver o caçador guia Amadeu Peixe (ao meio), com o caçador de arco e flecha Fred Bear (direita) , junto do elefante abatido pelo famoso archeiro americano.

MEMÓRIA OITAVA: A PISTA DO ZINAVE

Se bem se recordam, ao terminar a Memória Sétima prometi que vos iria falar na Memória Oitava de um acontecimento insólito ligado à pista do Zinave.
Tudo começou quando um célebre caçador de arco e flecha americano, Fred Bear, se deslocou à Beira para efectuar um safari na coutada de caça do Zinave.
Mas, para vos falar do Zinave, terei de me referir obrigatoriamente aos safaris da Moçambique Safarilândia, uma reputada empresa do turismo cinegético, que explorava entre várias, a concessão da coutada oficial nº 5 e a do Parque Nacional do Zinave, junto das margens do rio Save.
A criação de concessões de exploração de coutadas de caça, surgiu com o conceito de uma nova de política de conservação e exploração da fauna selvagem em Moçambique, por volta dos finais da década de cinquenta, contrariando o tipo de caça até então praticado, conhecido pela “caça utilitária”, que levou à completa extinção da fauna dos grandes antílopes. Na verdade esta caça visava exclusivamente a comercialização dos troféus dos animais abatidos, como as peles que decoravam muitos palacetes nos continentes americanos e europeu, onde eram também expostos troféus das cabeças embalsamadas de pacíficos gigantes africanos, exibindo admiráveis armaduras ou enormes pontas de marfim.
A par desta obsessiva investida aos troféus de caça, a devastação da fauna de animais selvagens era ainda ampliada pelas maciças caçadas de manadas de búfalos e elefantes, com o propósito de comercializar a carne dos animais abatidos que era vendida para as grandes companhias açucareiras da região. Esta caça indiscriminadamente praticada levou ao desaparecimento de muitos milhares de búfalos e elefantes dos vastos “tandos” de Marromeu, cujas toneladas de carne serviram para sustentar, a um baixo preço, as necessidades alimentares dos trabalhadores daquelas explorações agrícolas.
A esta nova actividade aderiram entusiasticamente alguns dos mais experientes caçadores-guias profissionais da época a que se juntaram outros caçadores amadores que se dedicavam na altura, à prática da caça desportiva.
Dos primeiros, porque tive um contacto mais próximo, lembro os nomes de Adelino Serras Pires e José Joaquim Simões que se tornaram conhecidos no mundo da caça, pela realização do safari oficial dos Marqueses de Villaverde, de Espanha, convidados do Presidente da República Portuguesa.
Este safari teve uma vasta cobertura jornalística que permitiu a sua difusão no estrangeiro, sobretudo em Espanha, com a resultante divulgação das coutadas de Manica e Sofala em especial da coutada explorada pela Agência de Turismo da Beira, de que Serras Pires era sócio gerente.
Dos jovens caçadores amadores que aderiram aos safaris de Serras Pires, recordo, por uma sã convivência de juventude, os nomes de dois caçadores que mais tarde se tornaram famosos em todo o mundo ligado à caça, nomeadamente nos Estados Unidos da América e em alguns países da Europa, da Ásia e na Austrália - o Rui Quadros e o Amadeu Peixe.
Alguém apelidou estes inspirados personagens de "príncipes da selva"!

Amadeu Peixe (à esquerda) e Rui Quadros, a dupla de caçadores guias mais famosa em Moçambique, junto de uma Impala abatida nas coutadas do Save.
nas décadas de 60 e 70.

O “príncipe da selva” com uma caçadora de arco e flecha junto de uma Impala abatida nas coutadas do Save.
Depois desta breve incursão pelo panorama cinegético de Moçambique dos anos 60, regressemos ao tema da nossa Memória Oitava – A pista do Zinave.
Como ia escrevendo, chegou à Beira num dia do ano de 1965, o americano Fred Bear, célebre fabricante e caçador de arco e flecha, para efectuar um safari na coutada de caça do Zinave, utilizando apenas aquelas armas e contando, para sua segurança e protecção, com a necessária presença e o apoio do experimentado caçador – guia, Amadeu Peixe.
A comitiva seguiu nesse mesmo dia para o Zinave transportados no Azetec e no Twin Comanche, os dois bimotores dos TAM, ficando todo o equipamento em armazém, para ser transportado no dia seguinte.
Coube-me a mim essa missão, utilizando para o efeito o já vosso conhecido mono-motor de asa baixa, o Comanche CS-AGJ, uma máquina silenciosamente veloz, com um habitáculo bastante cómodo o que era uma particularidade dos aviões da marca “PIPER.
Colocada uma pequena parte da bagagem na única e apertada bagageira, houve que distribuir a maior parte da restante pelos bancos traseiros, após o que me acomodei no banco do lado esquerdo frente aos comandos de voo. Só então foi completado o carregamento do equipamento de caça constituído por arcos e flechas devidamente condicionados em contentores de lona que ocuparam todo o espaço do banco do lado direito, foi de seguida fechada, pelo lado de fora, a porta de acesso à cabina.
Descolado do aeroporto da Manga neste meu primeiro voo em direcção ao Zinave, subindo para 5.000 de altitude de cruzeiro, procurava identificar os pontos da carta desdobrada sobre os meus joelhos observando cuidadosamente o terreno sobrevoado.
A savana desenrolava-se rapidamente sucedendo-se sob a minha aeronave que voava velozmente pelo espaço azul de um claro dia de Verão na direcção seleccionada à partida apontando para uns 40º à direita do caminho para Sul, melhor pormenorizando, para o azimute 220º.
Havia já voado cerca de 45 minutos dos 60 minutos totais quando comecei a divisar bastante ao longe, o reflexo do Sol no leito sinuoso do rio Save que corria de ocidente para oriente em busca do Índico onde terminava o seu longo percurso, agora em terreno plano, repousando das loucas correrias nas montanhas Sul Africanas onde era conhecido como Sábiè River.
E na margem direita lá estava a pista do Zinave junto a umas pequenas lagoas que permaneciam com água por bastante tempo depois as cheias que inundavam periodicamente as margens do rio Save.
Após umas duas voltas de reconhecimento do local de aterragem que serviam também para anunciar ao pessoal do acampamento do Safari da minha próxima chegada aterrei suavemente numa pista de terra batida, levantando uma nuvem de poeira à medida que rolava para o local de estacionamento.
Parado o motor fiquei aguardando a chegada de alguém que viesse abrir a porta que me permitisse finalmente deixar a minha aeronave que exposta ao Sol impiedoso naquela pista desabrigada aumentava de modo insuportável a temperatura interior.
E olhando para toda aquela carga que colocada entre mim e a porta de acesso ao habitáculo me impediria de deixar precipitadamente a aeronave em caso de uma emergência, apercebi-me da grave falta de segurança em que incorrera desde que iniciei este serviço de voo!
Finalmente a porta foi aberta e uma lufada de ar renovou a atmosfera abafada do interior do avião.
Uma cara conhecida, que um chapéu de largas abas protegia do Sol impiedoso que aquela hora do meio dia atingia o Zénite, espreitou com um largo sorriso.
- Ora viva Primavera. Isto não parece um avião! … Mais parece um sarcófago!
Mal acabara de pronunciar estas palavras quando eu, recordando num lampejo um episódio vivido dias atrás, deixei escapar uma sonora gargalhada que me apressei a aclarar.
- Caro Rafael. Não te espantes com esta gargalhada, pois quando souberes o que se passou comigo no outro dia em Nampula, irás rir-te com gosto também:
Preparava-me para deixar aquele aeródromo de regresso à Beira após terminado o fretamento que me levara até lá, quando aparece o meu amigo Rolando Mendes, o “mendji” como lhe chamávamos, proprietário e piloto do Táxi Aéreo de Nampula acompanhado de um cliente que perdera o avião da carreira da DETA com destino à Beira.
Sabendo que iria regressar àquele aeroporto, propôs-me que eu o aceitasse como passageiro, mediante o pagamento, claro, da quantia devida pelo bilhete de transporte (é que nós, táxi aéreo, não fazíamos concorrência à DETA nem esta aos Táxis aéreos!).
-Tudo bem, mas temos de nos despachar porque se aproxima uma frente vinda de Leste que já se vê pela nuvem de poeira de cor vermelha e que a forte ventania levanta e espalha pelo ar, acrescentei.
Para tua informação, Rafael, o passageiro em questão era um conhecido da minha juventude, familiar do proprietário da Agência Funerária Capela, para quem trabalhava e que se havia deslocado a Mueda com a finalidade de proceder ou agendar o funeral de um militar falecido.
Regressado ao aeródromo, depois de colectar a mala de viagem que deixara na pensão Raposo, dirigiu-se correndo, arrastado pelo Mendes para a placa junto à aerogare onde eu o aguardava com o mesmo “comanche” em que agora chegara ao Zinave, sentindo já a ventania que se aproximava rapidamente e com tal intensidade que fez com que ele, muito a medo, perguntasse:
-Snr. Rolando, acha seguro descolar agora?
-Entre já para o avião. O Primavera é que é o piloto e ele sabe muito bem o que anda a fazer!
Foi só tempo de fechar a porta e já autorizado pelo controlo, rolar para a pista, testando os magnetos em andamento e descolar de imediato para Norte com forte vento do lado direito que mal o avião saiu do chão aproou ao vento numa deriva impressionante!
Já no ar, com uma volta pela lado esquerdo que nos colocou de início numa situação paralela à direcção do vento, sacudidos por uma forte ventania que abanava a pequena aeronave como se tratasse de uma folha seca de uma qualquer árvore, comecei a afastar-me rapidamente daquela frente.
Já refeitos da tensão provocada olhei para o meu passageiro e perguntei-lhe:
-Tiveste medo?
-Bem o problema não foi esse, o medo …
-Como assim?
-É que eu estava muito mais preocupado afinal porque não só perderia o teu funeral como seria outra pessoa que lucraria com o meu!!!

O meu obrigada ao Cte. Primavera.

1 comentário:

O Micróbio II disse...

UM BOM ANO!!