O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

========================

Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

=======================

Por motivos alheios algumas das imagens não abrem no tamanho original. Nesse caso podem selecionar “abrir imagem num novo separador” ou “Guardar imagem como…”.

19/09/06

3-TEMPOS ÉPICOS DA AVIAÇÃO CIVIL EM MOÇAMBIQUE

1. Introdução e História Geral (resumo)

Ainda a propósito da DETA actual LAM, (linhas Aéreas de Moçambique), aqui vão duas histórias, das quais a primeira foi do pavoroso acidente havido em Quelimane com um Lockheed; e a segunda que não tendo passado de um incidente, não deixou de assustar os passageiros que seguiam no Dakota DC3.
As datas não as tenho precisas, mas sabemos já, pela história da DETA, quando foi exactamente o acidente do comandante Pinto Teixeira, e que narro tal e qual está na minha memória de miúdo de então (1944), ia fazer 6 anos.
Os aviões naquele tempo, descolavam de Lourenço Marques pela manhã, passavam por Inhambane, depois Beira, seguiam para Quelimane, Nampula, Porto Amélia (actual Pemba), sendo que alguns iam mesmo até ao Ibo e regressavam depois a Lourenço Marques, havendo linhas que também serviam a cidade de Tete. Naquele tempo, nem sempre faziam a viagem de ida e volta no mesmo dia, porque os aviões (nem todos), tinham uma velocidade cruzeiro de cerca de 140 knots.
Enquanto que em 1938 (ano em que nasci na cidade de Lourenço Marques), foi implantada a DETA, os chamados Táxis Aéreos, só começaram a operar por volta de 1948 ou 1949, salvo erro e omissão. Entre os SAM (Serviços Aéreos de Moçambique) do comandante Trancoso, e outras, em L.M. contava-se na Beira com o Experimentado piloto-aviador Jorge Cândido Guerra, proprietário dos TAM (de início Táxis Aéreos de Moçambique, mais tarde rebaptizado com o nome de Transportes Aéreos de Moçambique, que começou a operar com os velhos “Stinson” aviões de 4 lugares, sendo o piloto, mais 3 passageiros. Eram aviões com roda de bequilhe, (roda traseira mais pequena), pois só mais tarde apareceram os aviões com trem “triciclo” (3 rodas iguais, sendo uma delas no nariz do avião) . Primeiro os tri-pacer, depois outros, também da Placo Aicraft, equipados com motores Lycoming como os comanches 250, os apaches, os aztec, os twin comanche e os vários Cessna equipados com motores Continental. Além dos TAM, havia na Beira os SAB - Serviços Aéreos da Beira do meu amigo e instrutor de voo nocturno J. Barreto e ainda a SETA (Serviços Aéreos de Transportes Aéreos) do meu querido amigo Leonel Nunes da Silva, que ainda se encontra actualmente na Beira vivo e gozando de boa saúde, com os seus actuais 85 anos. Mais tarde ainda, apareceu o Hélio de Vasconcelos, cujo filho chegou a pilotar táxis aéreos, mas tal como o Leonel, dedicava-se mais a transportar peixe, camarão e ostras frescas.

2. O acidente de Quelimane

Tinha eu 5 anos de idade, quase 6, quando um dia fui com os meus pais e com o meu falecido irmão (mais novo) José Alexandre, ao aeroporto de Quelimane, pois os meus pais foram despedir-se da esposa do Dr. Nápoles (médico veterinário), mas cujo nome da Senhora, não me recordo.
Após as habituais despedidas, com votos de boa viagem, o Lockheed comandado pelo experimentado comandante Francisco Teixeira, filho do Eng.º Pinto Teixeira, pôs os motores em marcha, aqueceu e descolou. Praticamente no fim da pista, ainda a muito baixa altitude, o motor (salvo erro o esquerdo), parou, o avião fez um meio “toneau” e caiu de rodas para o ar, explodindo de imediato e ficando numa bola de fogo, onde nem se houvesse (naquele tempo não havia), um eficiente serviços de Bombeiros, poderiam ter feito fosse o que fosse, dada a rapidez com o que o fogo consumiu o aparelho e quem ia lá dentro. Na minha memória está, indelevelmente gravada, ver um avião virar-se no ar, cair, haver um enorme estrondo (da explosão, claro), e ver fogo. Lembro-me de ter ouvido muita gente gritar, os meus pais com lágrimas nos olhos e sairmos apressadamente do aeroporto, para que nós, os miúdos, não assistíssemos ao resto daquela tragédia. – 10 Depois, em 1954, já na Beira, no então 5º ano do liceu, ouvia falar nesse assunto e nas críticas que teciam ao Eng.º Pinto Teixeira, pai do malogrado comandante, que tinha sido ele a causa do desastre, porque o filho disse que o avião não estava em condições para prosseguir a viagem e que ele, Eng.º Pinto Teixeira, terá dito ao filho. “Quem tem medo e é cobarde não escolhe esta vida; meta-se no avião e prossiga a viagem”. Era o Director dos CFM, Caminhos-de-Ferro de Moçambique e mandava… (Era o tempo em que se vivia do quero, posso e mando). Uma das irmãs do malogrado piloto, casou muitos anos depois com o Eng.º Pinto Elyseu, que também foi Director dos CFM; e dizia-se que o Eng.º Pinto Teixeira nunca mais se perdoou a si próprio, pois tinha sido o causador da morte do filho e de toda a gente que ia no avião. – E, a bem-dizer, foi mesmo!
.................................................
O impacte do célebre acidente foi tão grande, que muitos pais opunham-se, mesmo muitos anos depois, a que os filhos tirassem o brevet; foi o meu caso. Por isso, só em 1962, então já casado e à revelia da minha mãe pois o meu pai faleceu em 1956, inscrevi-me na Escola de Pilotagem do Aero-Clube da Beira, tendo feito os exames, provas escritas e práticas, em 1962. – Chumbei na prova escrita de Navegação Aérea e tive que repetir o exame.
Um dos meus instrutores, especialmente em Navegação Aérea, foi o Comandante João Maria Carregal Ferreira, então já retirado das lides voadoras e, na época, Director-geral da Fábrica de Cervejas Manica, que entretanto e por falta de professores acedeu a ser nosso professor. Tínhamos então aulas por volta das 22 horas, no salão de conferências da Associação Comercial da Beira. Conto este particular, porque o Comandante João Maria Carregal Ferreira, parente (não sei em que grau), o Eng.º Fernando Carregal Ferreira, também nos chegou a falar no tristemente célebre desastre do Comandante Chico Teixeira, de que bem me lembro, e dizia que as máquinas estavam já tão perfeitas, que 99,99 % dos desastres aéreos, a culpa era sempre do homem e nunca da máquina. Claro que não se referia só aos pilotos, mas também ao pessoal da manutenção.

3. Incidente com o Comandante J.M. Carregal Ferreira

Dizia-se que o comandante Carregal Ferreira, excelente pessoa, muito fino e educado, pelas manhãs, antes de tomar o café, estava sempre mal disposto e tratava com certa aspereza as hospedeiras que voavam com ele. Um belo dia, depois de meia hora de voo de Lourenço Marques para a Beira, num Dakota, a hospedeira foi ao cock-pit, cumprimentou o comandante e disparou: “então, Sr. hoje está bem disposto?” Resposta pronta: “não me chateie e veja se apressa o serviço de bordo porque quero tomar o meu café”. Com toda a calma, a hospedeira ter-lhe-á dito: “então para o Sr. Comandante não se chatear, olhe para o motor esquerdo que parece que vai a arder”. Então não é que ia mesmo! De imediato parou o motor e regressaram a Lourenço Marques onde aterraram sem qualquer problema.

Eu próprio, quando voava, apanhei alguns sustos, por fruto de asneiras minhas, que poderei contar noutra ocasião.
Ainda sou do tempo em que, com certos aviões como os Taylorcraft, os Tiger e os Chipmunk, não tinha rádio algum e a circulação aérea era obedecida a relâmpagos verdes, vermelhos ou brancos, que a Torre de Controlo disparava. Aliás no meu exame de voo feito pelo Comandante Luís Branco da DETA, ele agarrou-se ao rádio e, muito baixinho, durante o exame instruiu a Torre, a fim de se certificar que eu sabia obedecer aos sinais., como por exemplo mandou-me aterrar, com a Torre a disparar relâmpagos vermelhos.
Nota final: alguns modelos da Lockheed, tal como do “Beechcraft”, eram muito conhecidos pela sua relativa pequena superfície alar, que os tornavam perigosos, não admitindo erros, sendo que a sua boa sustentação aérea, se fazia à custa da velocidade. – Lembro-me, algumas vezes de vir para o chão com um Beechcraft a marcar 100 knots e o besouro indicativo de perda a apitar.

António Corte Real

Sem comentários: