Pioneiros
da aviação e aerofilatelia em Moçambique
I
Introdução
O objectivo
deste artigo é fazer uma compilação, a mais exaustiva e completa quanto me for
possível, dos eventos que constituem os primórdios no território de Moçambique
do transporte aéreo de correio (cujo estudo constitui a aerofilatelia), com
especial enfoque nos aviadores pioneiros, extraordinários aventureiros,
verdadeiros “gloriosos malucos das
máquinas voadoras”, nesta remota época da aviação, e ilustrá-lo com algumas
das muito escassas peças filatélicas correlacionadas que conheço.
Baseei-me em
dois pilares, sobre os quais desenvolvi o tema: por um lado, a investigação
histórica desenvolvida sobre a evolução da aviação em Moçambique, em especial
dos seus protagonistas; e, por outro, a correspondente existência ou não de
“rasto” filatélico desses acontecimentos, entendendo-se por “rasto” filatélico
qualquer tipo de elemento filatélico (carta circulada na data correcta do 1º
voo, carimbo ou marca alusiva, ou até mesmo anotação manuscrita do evento) que
esteja referenciado em publicações especializadas ou de que tenha conhecimento
através de peças da minha colecção e de outras que tive oportunidade de
observar.
Concentrar-se-á
o presente artigo nas três primeiras décadas do Século XX, mais concretamente
entre a data do primeiro voo em Moçambique por esses pioneiros e o voo daquele
que considero ser o ultimo aviador imbuído desse espirito aventureiro dos
primórdios da aviação - o Rodesiano “Pat” Judson –, visto que a partir de
1931/1932 assiste-se ao desenvolvimento de Companhias Aéreas na África Austral
e principalmente de várias carreiras aéreas de e para esta zona do Globo, como
foi o caso, entre outras, da Imperial
Airways.
As peças
transportadas nessas carreiras aéreas após 1931, mesmo fazendo parte da
correspondência expedida ou recebida, especificamente, de e para Moçambique,
não serão abordadas neste artigo.
Com efeito, a
preponderância e a consequente evolução, constante e intensa, do Serviço
Aeropostal foi dando lugar a uma quantidade exponencialmente crescente e
variada de cartas transportadas, muitas delas a incluir no âmbito da
Aerofilatelia, entendida como a história postal do correio aéreo.
Neste estudo,
que poderá ser considerada uma primeira parte, privilegiei os “aviadores
pioneiros” e os primeiros anos do serviço aeropostal, abrindo a possibilidade
de uma futura actualização, até 1975, dos voos e respectivas marcas, sabendo-se
como é bastante rica a Aerofilatelia Moçambicana.
II
Abeillard Gomes da Silva
É seguramente desconhecido
para a grande maioria dos Filatelistas, mesmo os que se dedicam ao correio
aéreo, mas também do público em geral, que o primeiro aviador em Moçambique foi
Abeillard Gomes da Silva.
Figura 1 – O aeroplano “Gomes da Silva” e medalhão com a foto de Abeillard Gomes da Silva.
Abeillard Gomes
da Silva embarcou para a Beira em Moçambique, a 21 de Março de 1902, e foi
contratado primeiramente como auxiliar dos Correios da Companhia de Moçambique,
tendo só mais tarde transitado para a Alfandega da Companhia de Moçambique.
Estudioso,
culto, inteligente e autodidacta, idealizou e construiu, certamente com
admirável esforço e incontáveis sacrifícios, mas sempre “muito em segredo”, um
aeroplano da sua invenção que, em Julho de 1909, levou a Paris para participar
num concurso aeronáutico que aí se realizaria, onde se juntavam, pela primeira
vez, os pioneiros da aviação de todo o Mundo.
Este aeroplano
foi, seguramente, a primeira “máquina
voadora” a efectuar voos descolando de terras moçambicanas, enquanto
primeiros ensaios e testes.
Como atrás
referido, em Julho de 1909 Abeillard Gomes da Silva levou a Paris o seu
aeroplano – “Gomes da Silva” – como dão nota a “Revista de Manica e Sofala”
de Julho e de Dezembro de 1909 e o “Diário
de Noticias” de 11 de Novembro de 1909.
Apesar de
bem-sucedido nos voos preliminares em França, foi no entanto afastado do
concurso por razões burocráticas, devido a “um
atraso na entrega do motor”.
Desiludido,
regressou a Lisboa e em Tancos efectuou também, ainda em 1909, alguns voos no
seu aeroplano. Após um “embate numa
trincheira à descolagem” num desses voos, e sem dispor de quaisquer outros
apoios para poder continuar, acondicionou em caixotes o seu aeroplano - “Gomes
da Silva” - e regressou à Beira, em Abril de 1910, onde continuou a trabalhar
como Tesoureiro da Alfandega, vindo a falecer em 1930.
Abeillard Gomes
da Silva, apesar de pioneiro da aviação em Moçambique, morreu desiludido, pobre
e esquecido. Apenas postumamente foi motivo de alguns estudos e artigos
publicados em Jornais Diários e Publicações da especialidade, mas a sua
memória, perdeu-se na voragem dos nossos dias, e, em Moçambique não ficou
qualquer “rasto” filatélico (ou “pegada filatélica”, termo hoje muito em voga)
que o recorde, o que não ocorreu por exemplo em França, onde, logo no ano de
1909, foram editados dois postais dos Correios a ele dedicados como pioneiro da
aviação.
III
John Weston
Ainda em 1911,
temos registo de outro voo em terras de Moçambique, pelo aviador Sul-africano
John Weston, um outro pioneiro que igualmente construiu o seu avião, o qual
vindo de Johannesburg, sobrevoou e evoluiu sobre o céu de Lourenço Marques,
tendo aterrado num terreno dos arredores, na Machava, com o aplauso da multidão
entusiasmada, após o que levantou voo de regresso à Africa do Sul.
Figura 2 – O monoplano de John Weston em terrenos da Machava em 1911.
Maximilian John Ludwick Weston, nasceu na Africa do Sul a 17/6/1873 e faleceu a 24/7/1950.
Era Engenheiro (fez estágios em França com o celebre construtor aeronáutico
Henri Farman), Agricultor e Militar, foi pioneiro da aviação na Africa do Sul,
fundador da Sociedade Aeronáutica da Africa do Sul, criou ainda a sua Companhia
Aérea, onde construía ou modificava os seus próprios aeroplanos (chegou a ter 5
aviões!).
Em 1911, fez
vários voos de demonstração por toda a Africa do Sul e em Lourenço Marques.
IV
Esquadrilha Expedicionária a Moçambique
Com a entrada
de Portugal na 1ª Guerra Mundial, e com o inimigo Alemão no Norte de
Moçambique, o então Governador-Geral, Dr. Álvaro de Castro, como Comandante das
Forças Militares Portuguesas em operações no Niassa, requisitou ao Ministro das
Colónias uma esquadrilha de aviação para cooperar com as tropas em campanha,
tendo sido encarregado da sua organização, Sacadura Cabral, posteriormente
celebrizado, juntamente com Gago Coutinho, pela Travessia Aérea do Atlântico
Sul. Vencendo as grandes dificuldades dessa altura devido à Guerra, foram
encomendados à França, 3 aviões “Farman”, que foram transportados de Brest para
Lisboa e embarcados, em Julho de 1917, nos vapores “Moçambique” e “Lourenço
Marques”, de Lisboa para Mocímboa da Praia no norte de Moçambique, onde o
material foi desembarcado através de jangadas artesanais a 4 de Agosto de 1917.
Estes
aeroplanos constituíam a Esquadrilha Expedicionária a Moçambique, que contava
com os oficiais militares de ligação, os pilotos Tenentes João Luis de Moura e
Francisco Aragão e o Alferes Jorge de Sousa Gorgulho. Foi também contratado um
mecânico francês para a montagem dos aviões.
Em 7 de
Setembro de 1917 foi realizado o
primeiro voo de ensaio, pilotado por Jorge Gorgulho, visto que lhe competia
experimentar os 3 aviões Farman à medida que fossem sendo montados.
Figura 3 – Alferes Jorge Gorgulho, primeiro mártir da aviação em Moçambique.
Este voo de
Jorge Gorgulho está referenciado, e havia o convencimento de que este seria o
primeiro voo efectuado em Moçambique, o que não corresponde, como vimos acima,
ao rigor histórico.
No dia 8 de
Setembro de 1917, Jorge Gorgulho realizou um novo voo em que o avião caiu e
incendiou-se ao bater no solo, tendo falecido o piloto, transformando-se assim
no primeiro mártir da aviação Portuguesa em Moçambique.
Figura 4 – Os destroços do avião Farman após o acidente de 8/9/1917
Esta tragédia
abalou de tal forma o mecânico francês que este regressou a França, sendo
substituído por um mecânico português e mecânicos ingleses, que apenas chegaram
em Janeiro de 1918, se bem que a tempo de proporcionarem ainda a realização de
38 voos nesse ano.
Refira-se
também a título de curiosidade que o Alferes Gorgulho foi substituído por outro
oficial piloto aviador o Tenente Craveiro Lopes que veio a ser Presidente da
Republica Portuguesa e Marechal da Força Aérea.
Como desde o
inicio de 1918, as operações militares no Niassa se tinham deslocado para os
Distritos mais ao sul, Distritos de Moçambique e de Quelimane, e como neles não
havia campos onde pudessem aterrar, a Esquadrilha Expedicionária ficou com a
sua acção muito limitada, tendo os aviões, após o fim da Guerra em Novembro de
1918, sido transportados para Lourenço Marques, onde chegaram a 30 Dezembro de
1918.
Estes aviões
ficaram sedeados na base militar construída na Matola, integrando alguns
hangares e outras dependências, e constituíram a denominada Esquadrilha de
Aviação de Moçambique, cujo comandante era o agora Capitão João Moura e que
incorporava alguns pilotos como o Tenente Craveiro Lopes e mecânicos de várias
nacionalidades, incluindo francesa.
Esta
esquadrilha realizou cerca de 150 voos até surgir o contratempo da retirada dos
mecânicos para os seus Países, o que lhe retirou operacionalidade, tendo sido
extinta em Junho de 1921.
Desta
Esquadrilha de Aviação, não conheço nenhum “rasto” filatélico inequívoco.
V
Raides Aéreos Franceses
A seguir à 1ª
Guerra Mundial, teve lugar um grande desenvolvimento da aviação em algumas
Nações Europeias como na Alemanha, mas especialmente em Inglaterra e em França,
começando a surgir várias ligações aéreas, cada vez mais longas e extensas.
Moçambique,
ficando na costa oriental do continente Africano, estava muito distante desses
centros de desenvolvimento, mas todavia, muito perto de importantes territórios
coloniais dessas potências Europeias (Africa do Sul e outras Colónias ligadas a
Inglaterra, bem como de Madagascar e Reunion ligadas a França), proximidade de
que beneficiaria quando esses territórios fossem alcançados por via aérea.
O Governo
Francês empenhou-se na realização das ligações aéreas, que se foram estendendo
de Paris às então Colónias Francesas. Em Africa, primeiro às colonias Francesas
do Norte e Centro do continente Africano, depois ao Congo Francês e, por
último, a Madagáscar. É desta ligação, que tinha obrigatoriamente de fazer
escala em Moçambique, que tratarei seguidamente.
A França, mercê
das ligações aéreas às suas Colónias africanas, que foi estabelecendo nos anos
da década de 1920, possuía já um numeroso grupo de aviadores pioneiros, quando
iniciou os raides aéreos a Madagáscar.
Assim, a 10 de
Outubro de 1926, os Tenentes Vaisseau Bernard e Bougault, iniciaram em Berre –
Marselha, a bordo de um Hidroavião Léo
174, um voo ligando a França a Majunga em Madagáscar, onde chegaram a 21 de
Novembro de 1926, depois de fazerem escalas na Africa Ocidental Francesa e
também em Albertville, Fort Johnston, Moçambique e Quelimane.
No voo de
regresso, iniciado a 9 Dezembro de 1926, escalaram Moçambique, Quelimane,
seguiram a via dos Grandes Lagos da Africa Central até Luxor, Aboukir e por fim
Berre – Marselha, onde chegaram a 12 de Janeiro de 1927.
Esta é
cronologicamente, a primeira ligação aérea de França a Madagáscar, ligação
estaque, como vimos, fez escala em Moçambique!
Do ponto de
vista do “rasto” filatélico estão referenciadas peças com marcas especiais
alusivas, tipo souvenir (“souvenir cards”),
se bem que sejam apenas 6 cartas, todas destinadas a Majunga, todas escritas
por Bougault e despachadas a partir de Albertville, sem quaisquer outras
marcas. Já no voo de regresso, estão referenciadas 9 cartas, datadas de
Majunga, 9 de Dezembro de 1926, e que teriam recebido marcas de trânsito nas
escalas intermédias. A única carta que conheço, que fazia parte da colecção de
J. Sussex, está franquiada com selos de Quelimane, mas não passou pelo Correio
(os selos não estão carimbados!) e foi entregue em mão aos pilotos que a
trouxeram para França onde foi franqueada com selo Francês e enviada para
Lisboa.
Ainda em
Novembro / Dezembro de 1926, foi estabelecida nova ligação aérea entre Paris e
Madagáscar, por Jean Dagnaux, célebre piloto Francês nascido em 28/11/1891 e
falecido em combate na 2ª Grande Guerra em 17/5/1940, e que em 1934, foi
Director da Companhia Regie Air Afrique,
precisamente a que fazia a ligação aérea de França a Madagáscar e Reunion.
O Comandante
Dagnaux, juntamente com o seu mecânico Dufert, saiu de Paris a bordo do avião Breguet XIX com motor Renault de 500 cv,
a 28 de Novembro e a 10 de Dezembro de 1926 aterrou em Tananarive, depois de
ter, entre outras, feito escala em Tete, Quelimane e Moçambique. Este foi
considerado um voo exploratório da ligação aérea, que não transportou correio e
portanto não deixou “rasto” filatélico.
Três anos mais
tarde, em 1929, já com a intenção de estabelecer uma carreira aérea regular, o
Governo Francês patrocinou 3 raides aéreos a Madagáscar, como então eram
designados os voos aéreos de longo alcance.
O primeiro
raide aéreo foi realizado pelo piloto aviador Capitão de Reserva, Goulette (que
veio a falecer num acidente aéreo em Itália, a 28/5/1932), acompanhado de
Marchesseau e Bourgeois, a bordo de um avião Farman 190, matrícula F-AJJB, que ligou Paris a Madagascar com
escalas em Gao, Niamey, Bangui, Elizabethville, Broken Hill, Quelimane e
Majunga, entre 17 e 27 de Outubro de 1929. Neste raid aéreo foram transportadas
algumas cartas, de que mostro um exemplar da minha colecção.
Figura 5 – Carta circulada no 1º Raide Aéreo de 1929, de Paris (16/10/1929) para Tananarive (27/10/1929, no verso).
O segundo raide
aéreo foi efectuado pelos Pilotos Bailly e Reginensi, acompanhados do mecânico
Marsot, que saiu de Paris a bordo do aeroplano de tipo Farman 190, no dia 27 de Outubro e chegou a Tananarive a 5 de
Novembro de 1929. Fez igualmente escala em Quelimane e, segundo o catálogo
especializado Mueller, tem também “rasto” filatélico, ou seja, transportou
correspondência, ainda que desconheça se haveria alguma carta com destinatário
em Moçambique.
O terceiro
raide aéreo de Paris a Madagascar, teve partida a 13 de Dezembro de 1929 e
chegada a Tananarive a 1 de Janeiro de 1930. Teve como piloto o Sargento Roux
acompanhado do Engenheiro Aeronáutico Caillol e pelo mecânico Dodemont, num
avião Farman 190. Na viagem de
regresso, a 13 de Janeiro de 1930, o avião teve um acidente sobre a floresta
tropical de Kassai no então Congo Belga, tendo falecido os 3 ocupantes do avião
nesse acidente.
Também este voo
transportou correio e uma das cartas era dirigida à Posta Restante de
Moçambique (ilha), onde chegou por via marítima, ida de Tananarive, via
Zanzibar, sendo depois devolvida ao remetente em Paris.
Figura 6 – Carta registada circulada no 3º Raide Aéreo Paris-Madagascar. Carimbo de Paris-le Bourget de 10/12/1929. No verso: Carimbo de chegada a Tananarive a 1/01/1930. Reexpedida por via marítima via Zanzibar, para Moçambique (Posta Restante), onde chegou a 29/1/1930 (no verso). Como não foi levantada, aplicaram-lhe as marcas “Não Reclamado” e “Devolvida ao remetente”, na frente e verso da carta. Chegou a Paris a 15 de Maio de 1930, conforme carimbo no verso.
A carta foi
preparada para deixar “rasto” filatélico desse voo especial, por um conhecido
aerofilatelista da época, como era e foi prática corrente entre os
aerofilatelistas de todos os tempos. É uma peça rara que embeleza a minha
colecção!
VI
Walter Mittelholzer
Ainda no final
do ano de 1926, temos registo de outra gesta da aviação em Moçambique, o
primeiro voo que a partir da Europa, atravessou Africa, de Norte a Sul!
Este voo foi
realizado pelo Suíço Walter Mittelholzer, outro extraordinário pioneiro da
aviação, nascido em 1894 e falecido em 1937, que foi piloto militar em 1917/18
e um dos fundadores da Companhia Aérea Swissair, de que foi o primeiro Director
Geral e Piloto Instructor Chefe, e que é considerado o inventor da fotografia
aérea, tendo efectuado várias publicações com o relato das suas viagens áereas,
ilustradas pelas muitas fotografias aéreas que tirava (mais de 150 mil, muitas
delas, actualmente expostas em Museus relacionados).
Figura 7 – O Hidroavião “Switerzland” em que Mittelholzer efectuou a travessia, fotografado na baía de Cape Town em 1927
Além disso, já
desde 1924 que tinha autorização para fazer transporte aéreo de correio para
alguns dos locais para onde voou (para o Irão, por exemplo), sendo também um
dos pioneiros neste tipo de transporte postal por via aérea.
Este voo que atravessou
Africa de Norte a Sul, teve início em Zurique, a 7 de Dezembro de 1926 e
terminou em CapeTown a 20 de Fevereiro de 1927, foi realizado no hidroavião
“Switerzland”, um Dornier Merkur
monomotor de 450 cv.
Figura 8 – Mapa esquemático do voo de Mittelholzer.
Foi um voo que
tinha fundamentalmente fins de natureza científica, mais concretamente o estudo
da Geologia, da Geografia e da Zoologia das regiões que atravessou, em especial
dos Grandes Lagos de Africa. Devido a dificuldades de abastecimento, e outras,
que aconteceram ao longo do extenso trajecto (cerca de 20000 Km), mas também
porque os objectivos eram de natureza científica e não privilegiavam a rapidez,
este voo demorou cerca de 77 dias.
Figura 9 – Walter Mittelholzer (1894/1937).
Beneficiando da
fama de que já gozava como piloto aviador, Mittelholzer, apetrechou-se devidamente
em material para fotografia, fez-se acompanhar de conhecidos e competentes
especialistas, obteve grande divulgação jornalística do evento e transformou
este voo num êxito Mundial da época.
Como se vê no
mapa anexo (Figura 8), o voo em Moçambique, escalou a Beira, Inhambane e
Lourenço Marques e embora escasso, deixou um “rasto” filatélico relevante,
através das cartas que, provenientes de Zurique, estavam endereçadas a
destinatários em Moçambique. Essas cartas, carimbadas a 28 de Novembro, 9 dias
antes da partida a 7 de Dezembro de 1926, têm uma marca quadrangular especial
deste evento e foram transportadas na fase inicial do seu percurso até
Alexandria neste célebre voo, tendo a partir daí, seguido aos seus destinos,
por via marítima. Apresento, da minha colecção, uma dessas cartas.
Figura 10 – Carta Registada enviada de Zurique (28/11/1926) para a Beira (21/01/1027, no verso). Além da assinatura do piloto, apresenta carimbos de trânsito em Alexandria (13/12/1926) e em Mombaça (2/01/1927, no verso).
VII
Sir Alan Coban
No final de 1927, o aviador pioneiro Inglês, Sir Alan
Coban, saiu de Londres a 27 de Novembro de 1927, a bordo de um hidroavião
batizado de “Singapura” (na altura o maior hidroavião do mundo), e via Malta,
seguiu o rio Nilo e a rota dos Grandes Lagos da Africa Central, escalou a
Beira, Lourenço Marques e Durban, tendo chegado a Cape Town a 9 de Março de
1928. A partir de Cape Town fez todo o percurso da costa ocidental de Africa e
atingiu Plymouth em Inglaterra a 4 de Junho de 1928.
Este voo,
porém, não deixou “rasto” filatélico.
VIII
Primeiro Raide Aéreo Português
(Lisboa-Beira-Lourenço Marques)
Também
Portugal, nas primeiras décadas do Século XX, desenvolveu a aeronáutica, em
especial na área militar, e teve os seus pioneiros, como Gago Coutinho,
Sacadura Cabral, Sarmento Beires, Brito Pais, e outros.
No entanto
foram os aviadores pioneiros Celestino Pais Ramos e Oliveira Viegas, que em 1928,
efectuaram o primeiro Raide aéreo que ligou Lisboa às ex-colónias africanas
Portuguesas.
A viagem que,
tinha por objectivo abrir rotas aéreas comerciais entre Portugal e as Colónias,
iniciou-se no aeródromo da Amadora, perto de Lisboa, a 5 de Setembro de 1928, e
após algumas etapas (e muitas peripécias…) em que escalaram Bolama na Guiné, S.
Tomé (onde pela primeira vez aterraram aviões Portugueses) e Luanda em Angola.
Os dois aviões atingiram o Zumbo já em Moçambique, a 16 de Outubro de 1928 e
aterraram em Tete a 17 de Outubro, na Beira a 19 de Outubro, completando o
raide em Lourenço Marques, no aeródromo da Carreira do Tiro, a 26 de Outubro de
1928.
Figura 11 – O avião do Capitão Pais Ramos.
Foram
utilizados dois aviões monomotores “Vickers
Valparaiso”, de 450 cv, da Esquadrilha de Aviação Republica, tripulados
pelos Pilotos aviadores Capitão Celestino Pais Ramos (1895-1940) - comandante
da expedição, Capitão Oliveira Viegas, o Tenente João Maria Esteves como
navegador e o Sargento Manuel António como mecânico.
Em todas as
escalas, mas especialmente em Moçambique, a viagem teve recepções apoteóticas
por parte da população e os tripulantes foram recebidos como heróis e objeto de
festejos e homenagens locais. Foi um acontecimento de enorme repercussão e que
despertou um entusiasmo extraordinário nas populações, influenciando o
progresso local da aeronáutica.
Do ponto de
vista aeropostal, estes aviões realizaram o primeiro transporte aéreo de
correio em Moçambique, da Beira para Inhambane e Lourenço Marques e ainda
largaram do ar, uma mala de correio no Buzi, por não haver local para a
aterragem. Porém, o transporte não foi oficial, pelo que o único “rasto”
filatélico deste voo que conheço é a marca especial identificativa, batida a
vermelho nos 161 exemplares do jornal “Noticias da Beira” de 24 de Outubro de
1928, que foram transportados nesse voo, como se mostra na Figura 12.
Figura 12 – O Jornal “Noticias da Beira” com a marca especial de transporte aéreo. Colecção Sousa Lobo
Ao primitivo
aeródromo da Beira foi dado o nome Aeródromo Pais Ramos, aberto à navegação
aérea em 1928. Teve ao longo dos anos vários melhoramentos, como edifício com
sala de Passageiros, Alfandega e Correios, além de pistas de aterragem em
asfalto e em cimento. Foi encerrado e substituído pelo actual aeroporto da
Beira, em 1961. Pessoalmente, tive a possibilidade de algumas vezes ter
levantado e aterrado nesse aeródromo, quer em voos de recreio, quer
acompanhando meu Pai, em viagens aéreas ao serviço dos Correios de Moçambique.
IX
Primeiro Correio Aéreo Oficial
Sem dúvida que
o Raide aéreo Lisboa-Moçambique do Capitão Pais Ramos, impulsionou o entusiasmo
em Moçambique pelas “máquinas voadoras”.
Logo em
Dezembro de 1928 foi fundado o Aeroclube de Moçambique com sede em Lourenço
Marques, tendo em Armando Vilhena Torre do Valle (3/5/1888-16/9/1937), um dos
sócios fundadores.
Em Maio de 1929
o Aeroclube adquiriu na Africa do Sul um avião “D.H. Gipsy Moth” que inicialmente tinha a matricula C-PMAA,
passando depois para a matrícula CR-MAA, e foi baptizado “Moçambique”, sendo
pilotado pelo Inglês Jimmy Childs.
Figura 13 – O primeiro avião civil matriculado em Moçambique.
São desde logo
efectuados voos de recreio e instrução e num desses voos para o Chai Chai, em
13 de Julho de 1929, são transportados 12 exemplares do Jornal Guardian de
Lourenço Marques, que levaram uma marca especifica e identificativa, com os
dizeres “ Especial = Via aérea “,
que, embora uma vez mais, não oficialmente, constituem peças da história
aerofilatélica de Moçambique.
O Jornal
Guardian de Lourenço Marques do dia seguinte noticiou este acontecimento donde
retirei algumas frases: “ O avião,
pilotado por Mister Childs, transportou cerca de 4,5 Kilogramas de
correspondência e Jornais e levou como passageiro o Senhor Calçada Bastos,
membro do Aeroclube. O campo de aterragem estava esplêndido, graças ao trabalho
do residente, Senhor Torre do Vale, um entusiasta da aviação e que preparou
toda a visita. Foram depois feitos cerca de 40 baptismos de voo. A população do
Chai Chai manifestou a sua satisfação por esta jornada e expressou o desejo do
estabelecimento de carreiras aéreas regulares.”
Cerca de um mês
depois, em 16 de Agosto de 1929, efectua-se então o primeiro transporte aéreo oficial
de correspondência em Moçambique, entre Lourenço Marques e Inhambane, com
escala no Chai Chai. A correspondência foi transportada no avião “Moçambique”,
que como vimos era um “De Havilland Gipsy
Moth” e que foi pilotado por Jimmy Childs.
Para comemorar
este evento, os Correios emitiram pela primeira vez, uma marca especial, para a
correspondência transportada nesse 1º voo e no voo de regresso. Essa marca
especial deste voo, rectangular, foi aplicada a violeta ou a preto em Lourenço
Marques e a vermelho em Inhambane. Da minha colecção apresento a imagem de uma
das duas cartas isentas de franquia – correspondência oficial - que foram
transportadas nesse voo.
Figura 14 – Carta Oficial, isenta de franquia, enviada de L. Marques a 15/8/1929, para Inhambane (16/8/1929, no verso), com carimbo do 1º transporte aéreo oficial de correspondência, em Moçambique.
Figura 14A – Carta enviada de Inhambane – 17/8/1929 - para Lourenço Marques – no verso: 21/8/1929 - , transportada no voo de regresso (carimbo a vermelho) do 1º transporte oficial de correspondência, em Moçambique. (Colecção J.Sousa Lobo).
Obviamente que
este voo tem um “rasto” filatélico importante, deixando uma “pegada” marcante
na Aerofilatelia Moçambicana.
X
Torre do Vale e Manuel Maria Rocha
Não foi por
acaso que a então Vila de Chai Chai (mais tarde João Belo), capital do Distrito
de Gaza, tem lugar destacado na fase pioneira da aviação civil, chegando a ser
considerada, o “berço da aviação” em Moçambique. De facto, por feliz
coincidência, nela residiam em 1928, dois nomes incontornáveis como pioneiros
da aviação em Moçambique. Eram eles Armando Torre do Vale e Manuel Maria Rocha.
A
extraordinária importância que ambos tiveram no progresso da aeronáutica em
Moçambique, apesar de, nesta fase (até 1931) não terem ainda deixado “rasto”
filatélico no transporte aeropostal, justifica que lhes dedique um brevíssimo
resumo biográfico.
Armando Torre
do Vale, nasceu no Porto em 1888, mas ainda muito jovem, acompanhou a vinda de
seus Pais e irmãos para Moçambique, terra onde trabalhou e viveu toda a sua
vida. Faleceu em 1935, vítima de um trágico acidente de caça aos elefantes. Foi
funcionário do Município do Chai Chai e da Firma W.N.L.A. no Distrito.
Em 1928, ano em
que foi um dos fundadores do Aeroclube de Moçambique em Lourenço Marques, Torre
do Vale que já era um apaixonado por tudo o que fosse mecânico, tomou então
contacto com os aviões. Não só com o encomendado pelo aeroclube, mas um outro,
também um “De Havilland”, com a matricula C-PMAB, do afamado aviador Sul
Africano, Capitão Mac Miller, que nessa altura se encontrava em Lourenço
Marques. Este aviador, quando efectuava acrobacias na baía, teve um acidente,
tendo-se afundado o avião, todavia em aguas pouco profundas.
Logo em Outubro
de 1929, Torre do Vale tirou o brevet de piloto na Africa do Sul, onde em
Dezembro adquiriu um avião “D.H. Gipsy Moth”, que foi o segundo avião civil de
Moçambique, com a matrícula CR– MAB, baptizado “Gaza” e levando-o para o Chai
Chai, onde juntamente com o amigo Manuel Rocha, fundou o Aeroclube de Gaza.
Figura 15 – O segundo avião civil de Moçambique, baptizado “Gaza”, sobrevoando o Chai Chai.
Manuel Maria
Rocha, nasceu na Beira em Moçambique a 9/10/1902 e faleceu em Lisboa a
12/4/1986. Concluiu os seus estudos em Lourenço Marques em 1922, exercendo a
sua primeira actividade profissional como funcionário da Companhia de
Electricidade no Chai Chai. Ainda adolescente teve ocasião de observar os voos
efectuados sobre os céus da capital, pelos aviões militares, os “Farman” da
Esquadrilha de Aviação, então estacionada na Matola, o que despertou nele uma paixão
pelos aviões.
Como para além
dessa paixão, era exímio mecânico, impulsionado por Torre do Vale, arrematou em
leilão os salvados do biplano do Capitão Miller, resgatados das águas da baía
de Lourenço Marques após o acidente. Transportou para o Chai Chai os destroços
e com uma persistência e uma determinação extraordinárias, reconstruiu, peça
por peça, o avião, um “ De Havilland Cyrrus Moth”, que teve a matricula CR-MAC
e a que deu o nome de “Chai Chai” em honra da terra onde vivia e sede do
Aeroclube de Gaza.
Quer em
conjunto, quando em 1933, fundaram a Companhia Aero Colonial, que efectuou
vários voos em Moçambique (alguns com transporte não oficial de correio) - e
que é considerada como a precursora da D.E.T.A. -, quer individualmente, estes
extraordinários pioneiros da aviação em Moçambique, ainda foram protagonistas
de feitos indeléveis da história aeropostal de Moçambique.
Basta dizer
que, em 1933, Torre do Vale, fez a primeira ligação LM – Lisboa – Londres e que
na longa carreira profissional do Comandante Rocha, que terminou desempenhando
funções no Aeroporto de Lisboa em 1976, além de ter sido o primeiro piloto da
DETA, foi também o piloto do avião que, em 1946, fez o primeiro voo TAP da
Linha Aérea Imperial entre Lisboa-Luanda-Lourenço Marques e volta.
Como estes
eventos aconteceram depois de 1931, estão já fora do âmbito temporal deste
estudo.
XI
Pat Judson
Todavia dentro
do período, há ainda referências a aviadores pioneiros, que não quero deixar de
citar.
Em primeiro
lugar, ao Major Alfredo Sintra e ao Capitão Avelino de Andrade, que
entusiasmados pelo êxito dos voos e raides aéreos que se vinham desenvolvendo
em Moçambique nos anos anteriores, partem de Lourenço Marques em Dezembro de
1930 e alcançam Luanda, tripulando um monomotor “Morane Titan”, após um longo e
atribulado raide aéreo, de que não ficou, porém, qualquer ”rasto” filatélico.
Em segundo
lugar, e principalmente, ao aviador Pat Judson, que considero o último
representante desses aventureiros e “gloriosos” magníficos das “máquinas
voadoras”. Daniel “Pat” Sievewrigth Judson, nasceu em 16/3/1898 e faleceu de
acidente aéreo a 20/11/1931. Apesar da sua curta existência, foi o primeiro
aviador Rodesiano, um notável instrutor de voo e pioneiro da aviação civil
Rodesiana.
Figura 16 – Daniel (“Pat”) Judson. O último dos “pioneiros” em Moçambique.
Em 21 de
Outubro de 1930, voou de Salisbury até à Beira, onde, com o auxílio de
fogueiras, lanternas de cabeça e faróis de automóveis ao redor do campo,
efectuou a primeira aterragem nocturna da história da aviação
Moçambicana!
Este mesmo
piloto, semanas depois, realizou um outro voo entre Salisbury, Beira,
Quelimane, Angoche, Moçambique e Porto Amélia, com regresso a Salisbury, o que,
em algumas escalas, foi efectuado pela primeira vez.
Nenhum destes
voos deixou, contudo, “rasto” filatélico conhecido.
XII
Outros aviadores
Na documentação
existente no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) respeitante quer aos pedidos
de autorização de sobrevoo do território de Moçambique solicitados pelos voos
iniciais que o atravessaram, quer à documentação solicitando o estabelecimento
de carreiras aéreas, existe um conjunto de interessantes informações,
porventura pouco conhecidas e que se enquadram neste artigo.
Num Relatório
enviado pelo Governo-Geral de Moçambique. José Cabral, ao Ministro das
Colonias, datado de 16 de Maio de 1927, diz-se o seguinte: “1- Não existem nesta Colónia aeródromos de
caracter permanente, porquanto há já bastantes anos que dela desapareceu a
aviação; 2 - Campos de aterragem de ocasião, motivada pela passagem recente
nesta Colónia de alguns aviões Estrangeiros, existem os seguintes:
Quelimane, Tete, Moçambique, Lourenço
Marques e Inhambane…”,
fazendo seguidamente a localização e descrição pormenorizada destes campos.
Respondendo às
possibilidades de abastecimento em gasolina e óleos, é dito que apenas existem
em alguns locais, depósitos das Companhias Vacuum e Shell, mas que é
conveniente avisar com antecedência da chegada de qualquer avião, para que não
haja falhas, tal como fez o piloto Suíço Mittelholzer, que antecipadamente
encomendou o combustível à Shell que o mandou vir da Africa do Sul.
Consultando
essa documentação, foi-me também possível elaborar a lista dos pedidos de
autorização para voar em Moçambique, até ao final de 1931 (incluindo alguns
detalhes desses voos), dos seguintes pilotos que o solicitaram ao Ministro das
Colónias através do Ministério dos Negócios Estrangeiros:
·
Lefevre e Demazieres – Franceses - Matriculas dos aviões – F-
AJZZ e F- A LCC – viagem aérea de turismo – escala em Zumbo, Tete, Sena,
Quelimane e Moçambique - Novembro de 1930.
·
Mohamed El Gabri – Egípcio - Raide Berlim–Cabo –
Matricula – D 1828 - escalas em Lindi, Kionga, Moçambique, Quelimane, Beira,
Inhambane, L. Marques - Julho de 1931.
·
Goulette e Salel – Franceses – Matrícula do avião – F- AJRY
– Via Mogadício, Mombaça, Daresssalam, Moçambique, Tananarive – Agosto de
1931.
·
H.Trafford e Touze - Franceses – Matricula F- ALGV - Via
Mombaça – Lindi – Moçambique – Majunga.- Outubro de 1931.
·
Ludovic Arrachart – Francês – viagem de turismo a
Madagáscar – Matrícula – F- A NH - Via Zumbo, Tete, Quelimane, Moçambique,
Tananarive.- Novembro de 1931.
·
Maryse Ilze – Francesa – escala em Zumbo, Tete,
Quelimane, Moçambique, Tananarive - Novembro de 1931.
Quando não
indicavam a matrícula do avião, informavam que a respetiva Embaixada em breve o
faria. Por norma referiam que os aviadores não transportavam armas, nem
máquinas fotográficas ou aparelhos de T.S.F. (ao que presumo por ser necessária
autorização especial caso o fizessem).
De todos estes
voos não tenho conhecimento de que haja transporte aeropostal e, portanto, de
qualquer “rasto” filatélico.
Janeiro de 2014
Bibliografia
- Documentos consultados no Arquivo
Histórico Ultramarino;
- Blog “Voando em Moçambique”;
- Revista “Mais Alto”;
- Artigo de J.Cross na Revista
Portu-info da ISPP de Abril 2002;
- Jornais de Lourenço Marques, da época;
- “Aeronáutica Portuguesa” de Diniz
Ferreira, Lisboa 1961;
- Catálogos de Franck Mueller e Pierre
Saulgrain;
- “Afrika Flug” de W. Mittelholzer,
1928;
- Artigo do Capitão Stern da Revista
Aerofield de 1960;
- Artigo de J.Sussex da Revista PPS de
Abril de 1999;
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