É com muito gosto que publicamos um interessante testemunho contado na 1ª pessoa, de um Homem que com o seu trabalho e abnegação contribuiu, também, para a História da DETA…
“Entrei para a DETA em 27 de Abril de 1945, nomeado pela Ordem de Serviço n.º 429/DETA, como assalariado eventual, com a categoria de operário de 3º classe, colocado nas oficinas da DETA, em Mavalane.
Naquela época não existia o lugar de aluno piloto no orçamento, o qual só foi criado muito mais tarde.
Nos primeiros tempos a vida foi difícil. Tinha sido admitido para frequentar o curso de aluno piloto aviador, fui encontrar as maiores dificuldades, pois nada havia nesse sentido.
A muito custo, o chefe de operações, o Comandante Carlos Borges Delgado Júnior, reuniu os mínimos para se iniciarem os treinos, mas sempre com imensos contratempos, ora não havia avião ou não havia instrutor. Levou tempo a melhorar a situação. Eventualmente a instrução foi entregue ao Comandante Luis Santos da Costa Branco. Então tudo melhorou.
O primeiro voo foi realizado no dia 16 de Novembro de 1945, com o primeiro voo a solo a 19 de Fevereiro de 1946. Por mês, realizava uma média de 5 voos, pequenos, de cerca de 45 minutos. O avião usado foi o Tiger Moth, CR-AAR.
Passada a fase de voo a solo, iniciou-se a fase complementar de voo sem visibilidade, navegação e voo noturno, tendo por instrutores o suprassumo do que havia em Moçambique então, comandantes Borges Delgado, Luis Branco, João Maria Carregal Ferreira e Flávio Alves de Carvalho, culminando com a obtenção do Certificado e Licença de Piloto de Aviões de Turismo nº 79, em 30 de Agosto de 1946.
Nova fase de instrução, quase que autodidática, com a intensificação dos voos e concluída a 5 de Maio de 1947 com a nomeação como Piloto Aviador, segundo publicação oficial no Boletim Oficial de Moçambique, n.º 15, 2ª série, após a obtenção do Certificado e Licença de Piloto de Aviões de Transportes Públicos n.º 12, em 16 de Abril de 1947.
Além do voo, tornava-se essencial aumentar os meus conhecimentos aeronáuticos. Assim, dediquei-me às especialidades ligadas à profissão, com a finalidade de obter os certificados e licenças oficiais, depois da prestação de provas reconhecidas pela Secretaria do Conselho Aeronáutico de Moçambique.
Mas como? Em Moçambique não havia meios ou conhecimentos que pudessem ser utilizados para o efeito. Era necessário recorrer ao estrangeiro. A 2ª Guerra Mundial tinha terminado. A USAF, USNAVY e o HMSO tinham posto à venda os manuais de instrução dos seus pilotos e demais especialistas. Por conta própria, encomendei tudo o que julguei ser útil.
Autodidata, maior dificuldade nas práticas, com poucas ajudas a não ser o apoio inestimável do Capitão de Mar e Guerra Vasco Martins Rodrigues nas disciplinas de navegação e astronomia, e de alguns meteorologistas, de cujo nome já não me recordo, que graciosamente me aturaram nas previsões meteorológicas diárias. A todos, o meu agradecimento.
Caso curioso, usei na instrução das disciplinas de navegação e cartografia as Tábuas Náuticas de Azevedo Coutinho, que tinham sido usadas pelo meu pai na Escola Naval em 1923 no seu curso de oficial da Marinha. Ainda as conservo como relíquia, assim como o sextante Fairchild A-10A.
Agora, voltando atrás, já com matéria relevante disponível, dediquei-me ao estudo consolidando os meus conhecimentos e prática, obtive da Secretaria do Conselho de Aeronáutica de Moçambique após a prestação de provas oficiais, os certificados e licenças seguintes:
• Mecânico de Aeronaves, categorias A e C, n.º 29, em 7 de Outubro de 1947.
• Radiotelegrafista de Aeronave, n.º 41, em 11 de Outubro de 1949
• Piloto Comercial Sénior de Aeroplanos, n.º 12/PCSA/3, em Novembro de 1958
• Piloto da Linha Aérea de Aeroplanos, n.º 12/PLAA/3, em 15 de Outubro de 1962
• Em completivo
• Piloto de Linha Aérea de Aeroplanos, n.º 12/PLAA/3 em Abril de 1976, de Moçambique
• Airplane Transport Pilot (Aeroplano), n.º 96 em 4 de Setembro de 1979, de Tanzania
• Piloto de Linha Aérea de Aeroplanos, n.º 422/PLAA/1, em 10 de Setembro de 1976.
• Piloto de Linho Aérea de Aeroplano, n.º 123/PLAA/1, em 23 de Julho de 1980, de Angola.
Do histórico da Função Pública, consta, além do já mencionado:
• Nomeado Capitão de Aeronaves, assalariado, eventual, pela Ordem de Serviço n.º 1918/DETA, de 5 de Agosto de 1948
• Nomeado Chefe de Operações de Base, interino, pelo Boletim Oficial, n.º 13 – II Série, de 30 de Março de 1963
• Nomeado Chefe de Operações de Base, de Quadro Permanente, pelo Boletim Oficial, n.º 91, II Série, de 27 de Fevereiro de 1965
• Nomeado Superintendente de Operações, interino, pelo Boletim Oficial, n.º 12 – II Série, de 28 de Janeiro de 1971
• Nomeado Superintendente de Operações, do Quadro Privativo das Operações, pelo Boletim Oficial, n.º 131 – II Série, de 10de Novembro de 1973.
• Aposentado por despacho da Direção Geral de Administração Civil de 25 de Junho de 1976, mediante parecer da Junta de Saúde.
• Desvinculado da DETA, por ter terminado o contrato de prestação de serviços, celebrado em 7 de Maio de 1975, entre o estado Português e a Frente de Libertação de Moçambique, em 13 de Outubro de 1977 e transitado para os Serviços da Presidência do Conselho de Ministros.
A minha carreira aeronáutica não termina aqui.
Recomeçou em Dar Es Salaam, Tanzânia, em Junho de 1979. A Air Tanzania precisava de pilotos aviadores experientes para a frota de Boeings 737 oferecida pela Suécia. Assim, escrevi-lhes a oferecer os meus préstimos. Fui contratado de imediato como comandante.
O ambiente de trabalho na companhia era ótimo. Excelente camaradagem apesar das várias nacionalidades. Havia portugueses, franceses, alemães, suecos, indianos e quenianos. Fui lá encontrar o José Quental, o Guilhermino, o José Burnay e o Paixão Rodrigues, ex-DETA. Estávamos instalados em bons hotéis, com bom serviço e melhor cozinha.
Tive oportunidade de escalar os melhores aeroportos, desde Kilimanjaro a Lusaca, Matwara, Zanzibar, Tananarive, Entebe, Djibouti, Jedaah, Moroni, Adis-Ababa, Maurícias e Seicheles. A travessia do canal de Moçambique para as Maurícias ou Seicheles, com mau tempo incutia um certo respeito. Mas tudo correu sem percalços, sem ser necessário “molhar a farda” num barco salva-vidas.
Mas não há “bonita sem senão”. A Air Tanzania não tinha moeda forte para pagar às tripulações. Os poucos dólares que se conseguiam arranjar era no “mercado negro”, a um ágio astronómico.
Cumprido o contrato regressei a Cascais.
Entretanto, recebi uma proposta para voar na Diamang, que aceitei. Segui para Angola, com base no Dundo. Aqui as condições de trabalho eram totalmente diferentes para muito pior. A regressão era total. Nada comparável com a Tanzânia. A meio do contrato adoeci com uma infeção intestinal de natureza indeterminada, pelo que o médico responsável aconselhou a minha evacuação para a metrópole com uma carta, dirigida para o Instituto de Medicina Tropical, explicando a evolução da patologia. Presente ao Instituto e após uma série de consultas, análises e exames, com tratamento adequado a situação foi resolvida.
Analisando item por item, resolvi não regressar a Angola.
Após o regresso de África ainda efetuei alguns voos para manter as licenças em dia e acabei por “pendurar a farda” em 1981, no fim de um pouco mais de 25 000 horas de voo.
Em Lisboa, de 1982 a 1985, fui contratado pela Direcção-Geral de Aviação Civil para em colaboração com a Direção de Navegação Aérea efetuar diversos “Estudos de Normas e Sistemas Aeronáuticos” que concretizei satisfatoriamente. Depois de quarenta anos de dedicação total à Aviação, esta foi a última etapa da minha carreira profissional.
AVERBAMENTOS NA LICENÇA DE AEROPLANOS
• 30-08-1946 --- Tiger Moth DH.82 – Hornet Moth DH.87 – Dragon Fly DH.90
• 26-05-1947 --- Dragon Rapid DH.89
• 24-07-1948 --- Dove DH.104
• 10-05-1948 --- JU-52-3M
• 09-11-1951 --- Douglas DC3
• 01-10-1953 --- Lockheed 18
• 14-04-1953 --- Lockheed 14
• 17-07-1962 --- Fokker F-27
• 15-10-1962 --- Monomotores Terrestres de peso inferior a 5700 kg.
• 10-10-1962 --- Multimotores Terrestres de peso inferior a 5700 kg.
• 10-01-1970 --- Boeing 737
• 19-02-1975 --- Boeing 707
• 21-04-1980 --- Swaringen METRO II
• 21-04-1980 --- Swaringen MERLIN IV
QUALIFICAÇÕES ADICIONAIS
• Instrutor de voo --- Todos os aviões acima menos o Boeing 707.
• Radiotelefonista de voo
• Voo por instrumentos
• Instrutor de simulador de voo de Boeing 737
NOTA DO AUTOR
Não houve qualquer pretensão literária na elaboração destes apontamentos e foram “alinhavados” para constituir uma simples lembrança, nunca para divulgação.”
2 comentários:
Cte. Jorge Machado Almeida faleceu a 21 de Dezembro 2017
Quem informou o falecimento do Cte. Machado Almeida, fui eu seu filho Fernando Jorge Sampaio Machado de Almeida
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