O Voando em Moçambique é um pequeno tributo à História da Aviação em Moçambique. Grande parte dos seus arquivos desapareceram ou foram destruídos e o que deles resta, permanecem porventura silenciosos nas estantes de muitos dos seus protagonistas. A História é feita por todos aqueles que nela participaram. É a esses que aqui lançamos o nosso apelo, para que nos deixem o seu contributo real, pois de certo possuirão um espólio importante, para que a História dessa Aviação se não perca nos tempos e com ela todos os seus “heróis”. As gerações futuras de certo lhes agradecerão. Muitos desses verdadeiros heróis, ilustres aventureiros desconhecidos, souberam desafiar os perigos de toda a ordem, transportando pessoas e bens de primeira necessidade ou evacuando doentes, em condições meteorológicas adversas, quais “gloriosos malucos das máquinas voadoras”. Há que incentivar todos aqueles que ainda possuam dados e documentos que possam contribuir para que essa História se faça e se não extinga com eles, que os publiquem, ou que os cedam a organizações que para isso estejam vocacionadas. A nossa gratidão a todos aqueles que ao longo dos tempos se atreveram e tiveram a coragem de escrever as suas “estórias” e memórias sobre a sua aviação. Só assim a História da Aviação em Moçambique se fará verdadeiramente, pois nenhum trabalho deste género é suficientemente exaustivo e completo. A todos esses ilustres personagens do nosso passado recente que contra tudo e todos lutaram para que essa história se fizesse, a nossa humilde e sincera homenagem.

A eles dedicamos estas linhas.

José Vilhena e Maria Luísa Hingá

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Quem tiver fotos e/ou documentos sobre a Aviação em Moçambique e os queira ver publicados neste blogue, pode contactar-me pelo e-mail:lhinga@gmail.com

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16/08/11

753-Fumo no Lago Niassa


Em 1963 fui a Vila Cabral (AM 61) com um DO-27, numa missão de apoio logístico a pedido do Comando do Sector.
Havia poucos meses que tinha chegado a Moçambique, a amena temperatura que se fazia sentir graças aos 1400 metros de altitude do planalto criava um ambiente que me recordava a metrópole.
A noite dormia-se de um sono, e o aconchego do cobertor aumentava a ilusão de estar em Portugal.
A variedade dos produtos agrícolas próprios de climas temperados era enorme, batatas, morangos, verduras, completavam a ilusão, não sendo fácil acreditar que era em Moçambique onde me encontrava.
Depois deste apontamento que nem vem muito a propósito, vamos ao que interessa.

A organização dos voos e operações relacionadas - carga do avião, horários, definição de percursos etc.- era da responsabilidade dum Oficial de Operações, nomeado para o efeito pelo Comando do Sector.
O senhor Alferes desempenhava estas funções com tal desembaraço (vocábulo militar), intervindo em todas as áreas, que foi por pouco que não lhe entreguei o avião para ele executar por completo a missão. Na prática era só o que lhe faltava fazer, pilotar o DO-27.
O voo para Olivença, cerca de 200 km para Norte - informação do Senhor Alferes - seria um voo calmo e simples, pois a meteorologia previa um dia de bom tempo.
Poucos minutos após a descolagem já o lago Niassa era bem visível ao meu lado esquerdo. Parecia um enorme espelho azul, bem polido naquela manhã límpida e fresca. O recorte das margens montanhosas e abruptas, ou a imaginação dos meus 23 anos, levavam-me até à Suíça, onde nunca estivera mas que imaginava ser assim.
O voo decorreu sem percalços e com a máxima normalidade.
À chegada, o pessoal do destacamento militar, a autoridade civil e a população, manifestavam-se com entusiasmo. Era o avião que não viam há muito tempo, o correio tão ansiado, os géneros frescos tão necessários, o rádio novo para o posto administrativo, enfim um sem número de itens assaz importantes. Por razões diferentes de cada um, foi uma festa para nós todos.
Descarregado o avião e depois de uma alongada conversa prazenteira, descolei de regresso a Vila Cabral.
Resolvi fazer o percurso fora da rota habitual, perto do lago e a uma altitude que me permitisse gozar em pleno aquela paisagem grandiosa, quiçá única!...
Ainda não tinha voado quinze minutos nesta contemplação descontraída quando vejo para lá do meio do lago, perto do Malawi, três enormes cones negros invertidos, com o vértice ao nível da água e a base muito alta, parecendo-me acima dos três mil pés de altitude.
Só podia ser fumo, pensei. O lago Niassa com uma enorme profundidade ombreia com tantos outros grandes lagos Africanos, numa zona de “rift” tectónico que separa as placas africana e arábica, com actividade vulcânica constante. Estava explicado o fenómeno, concluí tranquilo.
O pessoal do AM 61 nunca tinha ouvido falar de tal coisa e o alferes, o tal oficial de operações, olhou-me até com um ar de desconfiança e enfado face à persistência na da minha descrição.
Por muito tempo não consegui deixar de pensar no que tinha visto e a cada dia que passava maiores eram as interrogações que se me punham. Cheguei a lamentar não ter violado a fronteira, para ir ver o que de facto era aquilo. Não voltei a ver este intrigante fenómeno das outras vezes que por ali ocasionalmente passei.
Fui pela primeira vez a Metangula em Agosto de 1965. Tinha passado já mais de um ano sobre aquela estranha visão dos cones de fumo invertidos sobre o lago. Era agora que eu iria finalmente tirar as minhas dúvidas! Após a aterragem e sem cerimónia abordei o europeu que mais perto estava do avião - um dos muitos mirones presentes pois a pista tinha sido recentemente inaugurada. Peguei-lhe pelo braço, arredei-o do grupo e perguntei-lhe: você já alguma vez aqui viu umas nuvens de fumo negro, muito altas sobre o lago? Sorriu-me e respondeu de pronto: saiba o Senhor Piloto que não é fumo nenhum, são mosquitos. Às vezes são tantos que até os motores da central param porque os filtros empapam. Não picam, são parecidos com as moscas do vinagre e a população faz caril com eles. Dizem que saem da boca de um peixe gigante, mas na realidade resultam da eclosão simultânea de milhões de óvulos.
Fiquei assim esclarecido! O mirone era um conhecido comerciante, o Senhor Adelino, que havia anos residia em Metangula e a partir de 1968 foi meu habitual cliente nos TAN, Transportes Aéreos do Niassa.

Vítor Silva

Oeiras, 15 de Agosto de 2011

1 comentário:

Ricardo Quintino disse...

Curiosamente só tive conhecimento deste fenómeno já cá em Portugal por um documentário que o National Geographic passou na TV, apesar dos 35 anos da minha vivência em Moçambique. Grato pela partilha