
Em Moçambique, até 1966 as evacuações aéreas nocturnas de militares feridos ou doentes com gravidade eram realizadas pela Força Aérea Portuguesa que utilizava normalmente o Dornier DO-27. Acontecia por vezes que mesmo civis eram igualmente evacuados, sempre que o perigo de vida o justificava. Nestes casos o pedido era normalmente feito pela entidade administrativa, ou, quando se tratava de militares, pelo comandante da unidade militar para o respectivo Comando do Sector. Em qualquer dos casos era a indicação médica que determinava este pedido. Era um serviço muito estimado e apreciado pelas populações, simultaneamente enquadrado na perfeição nos programas de “Psico-Social” promovidos pelos militares e pelo governo época.
Durante a minha permanência no Aeródromo Base nº 5 (Nampula), de Junho de 1963 a Outubro de 1965 onde fui 2º Sarg. Piloto (Miliciano), efectuei algumas evacuações deste tipo, tanto de civis como de militares.
A partir de 1966 este serviço acabou. Desconheço quais as razões que justificaram tal decisão cujas consequências foram muito lamentadas por todos, civis e militares.
A determinação foi de tal modo radical que em 1968, era eu piloto da companhia de Táxis Aéreos TAN – Transportes Aéreos do Niassa, quando me foi pedida uma evacuação de Nova Freixo para Vila Cabral, ao chegar ao AB-6 verifiquei incrédulo que se tratava de evacuar dois soldados da Polícia Aérea feridos com gravidade por a uma rajada acidental com arma de fogo. Nunca imaginei que as restrições com estes voos nocturnos abrangessem o próprio pessoal da Força Aérea.
Como piloto civil e ex-piloto militar senti-me desconfortável com este voo, pois voava já na primeira condição e estava perante uma evacuação aérea de dois elementos da Força Aérea, entre duas das suas unidades, (AB-6 e AM-61). A imagem gloriosa e brilhante que eu detinha da FAP esmoreceu bastante naquela noite.
Os milhares de militares e civis distribuídos pelo imenso território Moçambicano, incluindo os da própria Força Aérea, não poderiam mais contar com o inestimável apoio da FAP nesta área tão sensível, ou não se tratasse da própria vida ou morte.
Só o recurso aos Táxis Aéreos poderia resolver este complicado problema, pois não havia mais ninguém para os ir lá buscar.
Foi assim que aconteceu. A responsabilidade que caiu sobre nós, o poder de decisão entre ir ou não ir, salvar ou deixar morrer, levou-nos muitas vezes a correr riscos difíceis de imaginar.
Ao longo desses sete anos foram centenas os militares evacuados nestas condições, havendo muitos que provavelmente ficaram a dever a própria vida ao eficiente e praticamente desconhecido serviço dos Táxis Aéreos e dos seus pilotos.
Foram menos de 40 os pilotos que durante tão largo período asseguraram este serviço, muitas vezes em condições extremamente perigosas e difíceis. Apesar de tudo, os acidentes graves com os seus aviões foram muito poucos. A grande maioria era experiente, conheciam bem o terreno e as pistas onde operavam diariamente.
Eram voos sem interesse comercial para as empresas, pois os seus ocupantes (pilotos e evacuados) bem como os próprios aviões operavam a descoberto de qualquer apólice de seguro.
Face a um imprevisto acidente, fosse ele um pequeno toque, a morte dos seus ocupantes ou a perda total da aeronave, o responsável era sempre e tão só o seu piloto, única pessoa a quem competia aceitar ou não a execução do voo.
Texto e foto de Vitor Silva
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